Editorial: A perturbadora mensagem de Hiroshima 65 anos depois da bomba
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Em Hiroshima, pessoas acendem velas para fazer orações pelas vítimas de bomba
A presença, pela primeira vez neste ano, do secretário-geral das Nações Unidas, do embaixador americano e de agentes diplomáticos do Reino Unido e da França nas cerimônias de rememoração do lançamento da bomba atômica em Hiroshima, no dia 6 de agosto de 1945, certamente tem um valor simbólico. Ela confirma um movimento crescente em favor de um desarmamento nuclear mundial.
Esse gesto vem na sequência da declaração do presidente Obama em Praga, em abril de 2009, pedindo pela “construção de um mundo sem armas nucleares”, ratificada alguns meses mais tarde por uma resolução do Conselho de Segurança que ia no mesmo sentido.
Mas ele só responde parcialmente às expectativas das vítimas de Hiroshima, e, três dias depois, de Nagasaki. Aqueles atingidos pela radiação, dos quais 220 mil (de 540 mil) ainda estão vivos, exigem mais do que o realismo temperado de aspirações ao desarmamento das potências nucleares: eles pedem por uma abolição total de uma arma que decuplicou a sanha assassina do ser humano.
O embaixador americano, John Roos, não foi até Hiroshima para rezar por aqueles afetados pela bomba, mas para “prestar homenagem a todas as vítimas da Segunda Guerra Mundial”.
Os Estados Unidos nunca apresentaram desculpas por esses ataques considerados “necessários” para abreviar a guerra. Indispensáveis? Em agosto de 1945, o exército imperial foi vencido, e sua marinha e sua defesa aérea, aniquiladas: em sua autobiografia, o general Dwight Eisenhower, que foi presidente dos Estados Unidos, acredita que “recorrer à bomba foi inútil”.
Cerimônia no Japão recorda os 65
anos do primeiro bombardeio atômico
Os bombardeios nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki não se “reduzem” a dois dias de horror, nos quais cerca de 220 mil habitantes perderam a vida.
Durante anos, as vítimas da radiação foram largadas à sua sorte e ficaram praticamente sem cuidados em razão do segredo que os Estados Unidos mantinham sobre os efeitos da bomba. Por muito tempo, ignorou-se como cuidar dessas terríveis queimaduras, como conter as hemorragias dessas almas torturadas.
O medo de que a irradiação fosse contagiosa fez das vítimas seres desumanizados, ostracizados por seus vizinhos, rejeitados pelos empregadores. Até 1957, eles não receberam nenhuma assistência social. É esse mosaico de sofrimentos e de dramas individuais silenciosos que constitui a memória de Hiroshima e Nagasaki.
Apesar da trágica singularidade de seu destino, aqueles afetados pela radiação mantiveram comoventes correspondências com outras vítimas civis da guerra. Só se pode desejar, como escreveu o diário “Asahi Shimbun”, que o maior valor simbólico dado a essa solenidade de 2010 não venha a ser somente “o acontecimento de um verão”.
A China, infelizmente, não enviou nenhum representante à cerimônia de Hiroshima. Nenhuma explicação foi oferecida por Pequim, mas essa ausência lembra que os japoneses, por sua vez, ainda têm dificuldade em reexaminar seu passado militarista. Na Ásia, nos países que foram alvo da agressão nipônica, essa ferida também continua aberta.
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