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COMPLEXO DO ALEMÃO
Ocupação completa 6 meses; política de segurança é criticada
Parlamentares, entidades de defesa dos direitos humanos e relator da ONU condenam política de segurança do Governo do Rio de Janeiro. Polícia volta a entrar no Complexo do Alemão e confronto deixa seis feridos.
Maurício Thuswohl - Carta Maior
RIO DE JANEIRO – Seis meses após seu início, a ocupação do Complexo do Alemão pela polícia do Rio de Janeiro ainda não apresentou qualquer resultado diferente dos confrontos e mortes comuns a operações desse tipo. Apesar do entusiasmo do governo estadual com a ação policial e do suposto apoio da opinião pública (turbinado pelo clima “tropa de elite” que acomete a classe média carioca), a ocupação do entorno do conjunto de favelas habitado por quase 200 mil habitantes vem sendo novamente muito criticada por parlamentares, entidades de defesa dos direitos humanos e até mesmo pela ONU.
Até mesmo a estratégia militar de ocupação do Complexo do Alemão já está sendo questionada, pois o tráfico de drogas não somente continua existindo na região como seus principais integrantes já deram mostras de sua capacidade de deslocamento para favelas vizinhas. Além disso, a longa convivência entre policiais e traficantes provocada pelo cerco aos acessos das favelas já começaria a produzir efeitos perversos: segundo denúncia investigada pela Polícia Federal, policiais da Força Nacional de Segurança (FNS) teriam recebido dinheiro de traficantes para permitir a entrada de armas e drogas no complexo.
Tratado com mal-disfarçada hostilidade pelas autoridades de segurança pública em sua passagem pelo Rio de Janeiro - o governador Sérgio Cabral Filho sequer o recebeu - o relator especial da ONU para casos de execuções sumárias, arbitrárias e extrajudiciais, Philip Alston, tratou a ocupação do Complexo do Alemão como o mais grave ponto do parecer que apresentou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e à imprensa na semana passada. O australiano já avisou que as denúncias sobre as prováveis execuções ocorridas durante uma invasão do complexo no dia 27 de junho, que resultou em 19 mortes, ocuparão boa parte do relatório que encaminhará ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.
As críticas de Alston à política de segurança do Governo do Rio não se limitaram à ocupação do Complexo do Alemão. O relator da ONU também se disse impressionado com o número de casos de morte em conflito com policiais, conhecidos como autos de resistência, no Estado. De acordo com os dados fornecidos pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), este ano foram registrados 1.072 autos de resistência até o fim de outubro, o que representa um aumento de 20% em relação ao mesmo período no ano passado (894 mortos). Este é o segundo maior número de autos de resistência desde 1998, quando as estatísticas da criminalidade no Estado começaram a ser divulgadas pelo governo.
Membro da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio, o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) chama a atenção para o fato de que o aumento da ocorrência de autos de resistência no atual governo vem acompanhado do aumento do número de furtos e de roubos e da diminuição das quantidades de drogas e armas apreendidas pela polícia: “Esses números, apresentados pelo próprio governo, representam uma grande falta de eficiência e mostram que a lógica da atual política de segurança não se sustenta”, diz.
O deputado, que esteve com Philip Alston no Rio, lamentou que Sérgio Cabral Filho não tenha recebido o relator especial da ONU: “O governador se mostrou muito despreparado, não teve um comportamento democrático nem observou as regras institucionais de convivência com uma organização independente. Todas as polícias do mundo que melhoraram, o fizeram depois de aceitar algum tipo de ajuda externa”, disse Freixo, citando os exemplos da Irlanda e da Colômbia.
Confrontos periódicos
Para Sandra Carvalho, da ONG Justiça Global, a visita de Alston foi importante pelo contato direto que o australiano teve com moradores e parentes de vítimas do Complexo do Alemão: “Isso fez com que ele formasse uma opinião sobre o caso muito parecida com a desenvolvida pelas organizações de direitos humanos”, diz. Ela também é crítica feroz da política de segurança levada a cabo pelo governo estadual: “Não traz nenhum benefício, nenhum resultado positivo. O que traz são as mortes, que servem como critério de eficiência apenas para o próprio governo”.
Alheia às críticas que vem recebendo, a polícia continua investindo periodicamente no Complexo do Alemão. Na manhã de sexta-feira (16), cerca de trinta homens do 16º Batalhão da Polícia Militar (Olaria) invadiram a Vila Cruzeiro - mesma favela onde ocorreu o confronto de junho - para checar uma denúncia de que quatro líderes do tráfico local estariam reunidos em uma casa. O resultado foi um confronto entre armamentos pesados que durou mais de quatro horas e levou pânico aos moradores. Ao final, seis moradores foram feridos à bala, sem maior gravidade. Nenhum traficante foi preso.
Estratégia equivocada?
A estratégia de ocupação do complexo, que prioriza o “bloqueio” das principais vias de acesso às favelas, já é questionada abertamente dentro da própria polícia. A grande extensão da área a ser vigiada e a proximidade com outras favelas não ocupadas, como o Morro da Baiana ou o Morro do Adeus, facilita o deslocamento dos traficantes. A maior parte do arsenal do grupo que controla o Alemão já teria se deslocado, e a prova disso, segundo alguns policiais, seria a recente morte do policial Eduardo Henrique de Mattos, alvejado com um tiro de fuzil quando sobrevoava o Morro do Adeus em um helicóptero da Polícia Civil: “Ocupar o Alemão sem ocupar também o Adeus seria suicídio”, resumiu o delegado Rodrigo Oliveira, titular da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core).
O bloqueio policial de seis meses não parece impedir que as armas e as drogas continuem entrando nas 16 favelas que compõem o Complexo do Alemão. Uma das possíveis causas dessa deficiência foi apontada em um relatório elaborado no fim do mês passado pelo setor de inteligência da Polícia Federal. O documento denuncia que agentes da Força Nacional de Segurança (FSN) teriam recebido propina individual de R$ 500 para facilitar a entrada de drogas e armas no complexo, além do transporte destas para o Morro do Adeus no dia 23 de outubro. A direção da PF e o comando da FNS ainda não se manifestaram sobre o relatório.
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