quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Senadores usam verba como bem entendem

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14/01/2010 - 06h20

Senadores usam verba como bem entendem

Há casos de valores elevados no pagamento de aluguel, de uso do benefício para manutenção de acervo particular e até de destinação da verba para a própria empresa

Renata Camargo e Edson Sardinha

A falta de rigor nas regras da verba indenizatória permite ao senador utilizar o dinheiro público como bem entende, desde que apresente uma nota fiscal comprovando o pagamento. Há casos de valores elevados no pagamento de aluguel, de uso do benefício para manutenção de acervo particular e até de destinação da verba para a própria empresa.

O senador Gilvam Borges (PMDB-AP), por exemplo, recebeu R$ 300 mil nos últimos dois anos para ressarcir despesas mensais de R$ 15 mil com o aluguel de um escritório político em Macapá. No local indicado pelo senador, funciona uma fábrica de toldos.

Gilvam não utilizou o benefício para cobrir qualquer outro gasto nos nove meses em que exerceu o mandato em 2008 e em todo o ano de 2009. Entre maio e agosto de 2008, ele se licenciou do cargo para dar cadeira ao suplente, seu irmão, Giovane Borges (PMDB). Na declaração de Giovane, constam quatro pagamentos de R$ 15 mil a aluguel. Mas, na época, o Senado não identificava o emissor da nota.

As notas apresentadas por Gilvam foram emitidas em nome do técnico em edificações José Emílio Silva dos Santos, dono da fábrica e filiado ao PMDB. Em rápida entrevista por telefone ao Congresso em Foco, José Emílio disse que aluga a parte superior de seu sobrado para o senador. “Tenho salas grandes de reuniões, com copa e cozinha. O lote é grande, tem 450 metros quadrados”, afirmou.

O técnico encerrou a conversa ao ser questionado se era funcionário do senador. “Trabalho, sim. É verdade. É isso. Se quiser saber mais, ligue para o senador”, afirmou, antes de desligar subitamente o telefone.

De acordo com imobiliárias da capital amapaense ouvidas pelo Congresso em Foco, um imóvel comercial no bairro de Santa Rita, onde funciona a fábrica, pode ser alugado por até R$ 4 mil. Com R$ 15 mil, segundo avaliadores do mercado local, daria para alugar todo um prédio de pelo menos três andares na mesma região. Na avaliação deles, o valor pago pelo senador foge à realidade da cidade, de 367 mil habitantes.

O caso foi revelado em setembro pela Folha de S. Paulo, cuja reportagem visitou a fábrica e conversou pessoalmente com o dono do imóvel. José Emílio admitiu ao jornal que assinava os recibos como aluguel e outras despesas, mas afirmou que o dinheiro era também usado como uma espécie de salário para bancar viagens que faz com o senador pelo estado. Os gastos do prédio com energia teriam ficado entre R$ 3.600 e R$ 3.800 no mês anterior, segundo ele.

“Porteira fechada”

Procurada pelo Congresso em Foco, a assessoria de Gilvam afirmou que o contrato firmado com o proprietário do imóvel foi "de porteira fechada", ou seja, inclui gastos com telefone, energia, cafezinho e computador. A assessora justifica que o escritório é utilizado como “quartel-general” de diversos prefeitos. Segundo o gabinete, o senador usou a verba indenizatória "dentro do limite".

A assessora afirma que o proprietário do imóvel "não chega a ser" funcionário de Gilvam, mas garante que José Emílio serve "até cafezinho" quando necessário e que empresta o seu carro para o senador quando preciso. A assessora não sabe dizer se os serviços de José Emílio são pagos com verba indenizatória.

Livros de Sarney

Padrinho político de Gilvam Borges, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), também usou a verba indenizatória para apenas um fim em 2009: “contratação de consultorias, assessorias, pesquisas, trabalhos técnicos e outros serviços de apoio ao exercício do mandato parlamentar”.

Desde abril, quando o Senado passou a detalhar as despesas declaradas, o senador destinou R$ 38,6 mil para uma empresa cuidar da manutenção de seu acervo pessoal de livros, em sua residência oficial, em Brasília, conforme mostrou O Estado de S. Paulo. Sarney pediu ressarcimento de R$ 3,6 mil em abril e de R$ 5 mil nos meses seguintes para cobrir as despesas feitas em sua casa. Nos três meses anteriores, o senador foi ressarcido em R$ 10,8 mil por gastos na mesma rubrica.

Em nome próprio

Suplente do senador Jayme Campos (DEM-MT), Osvaldo Sobrinho (PTB-MT) destinou mais de 80% da verba indenizatória no Senado para divulgar seu mandato em rádios de sua propriedade. Dos R$ 14.773,22 utilizados por ele em outubro, R$ 12 mil foram para pagar divulgação de suas atividades em três emissoras do Grupo Osvaldo Sobrinho.

Osvaldo é proprietário da Rádio Meridional FM de Sinop, da Rede Meridional de Radiodifusão e da Rádio Meridional AM de Sinop, que compõem o grupo que leva seu nome. Cada uma delas recebeu R$ 4 mil da verba, de acordo com informações disponíveis na página do Senado na internet. O caso foi revelado pelo Diário de Cuiabá em novembro. Desde então, o senador não usou mais a verba com suas empresas.

O Congresso em Foco entrou em contato com a assessoria de Osvaldo, na época, para comentar o uso de sua verba indenizatória. O gabinete informou que Osvaldo Sobrinho estava incomunicável e não poderia falar sobre o assunto.

No ano passado, a Câmara decidiu proibir expressamente os deputados de utilizarem o benefício em seus próprios negócios. A mudança ocorreu depois que se revelou que o deputado Edmar Moreira (PR-MG) gastou R$ 236 mil da verba indenizatória para pagar serviços supostamente realizados por suas empresas de segurança. Dono de um castelo avaliado em R$ 25 milhões, Edmar escapou da cassação no Conselho de Ética. Os colegas que o absolveram alegaram que as regras sobre a verba não eram suficientemente claras.

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