Não era segredo pra ninguém. Nas pequenas cidades da fronteira entre Pernambuco e Paraíba, todos sabiam que Manoel Mattos, o advogado que desafiou os grupos de extermínio da região, estava marcado para morrer. Junto com outros que ousaram denunciar as frequentes execuções praticadas por pistoleiros e agentes públicos, Mattos por diversas vezes procurou autoridades e organizações da sociedade civil para alertar: “se nada for feito, eles vão me matar”. Não faltou aviso.
Em 2002, a Justiça Global e a Dignitatis Assessoria Técnica Popular encaminharam à Organização dos Estados Americanos (OEA) um pedido de medidas cautelares para a garantia da vida e da integridade física de Manoel Mattos e de outras quatro pessoas. A intenção era chamar a atenção do Estado brasileiro para as ameaças que vinham sofrendo e forçar não apenas que lhes fosse assegurada a proteção policial, mas que se iniciasse um trabalho eficaz de investigação a fim de desarticular os grupos de extermínio. A OEA prontamente concedeu as medidas cautelares, mas de nada adiantou: a falta de apuração e proteção possibilitou que, das cinco pessoas beneficiadas com as cautelares, duas tenham sido mortas (o primeiro foi Luiz Tomé da Silva, conhecido como “Lula”, um ex-pistoleiro que passou a colaborar com as investigações da CPI dos Grupos de Extermínio da Câmara, em 2003).
No último dia 24, o assassinato do advogado Manoel Bezerra de Mattos, natural de Itambé (PE), completou um ano. Quatro dias após o crime, no dia 28 de janeiro de 2009, a Justiça Global e a Dignitatis solicitaram a instauração de Incidente de Deslocamento de Competência (IDC), medida judicial que transfere para a esfera federal a competência para investigar e responsabilizar judicialmente. O pedido foi reforçado pelo Ministério da Justiça, pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos de PE e pelos governadores de Pernambuco e Paraíba.
A documentação encaminhada à Procuradoria Geral da República (PGR) solicitava a federalização não apenas do assassinato de Manoel Mattos, como também da ação dos grupos de extermino que na última década já executaram mais de 200 pessoas na região. As organizações da sociedade civil deixaram claro: se dependermos da atuação das polícias estaduais e da justiça local, dificilmente se chegará aos mandantes do crime e aos líderes do grupo. E isso, até hoje, não é segredo pra ninguém.
No entanto, apesar do parecer favorável da PGR e da urgência para que o IDC seja instaurado, o pedido de federalização do caso continua emperrado no Superior Tribunal de Justiça desde junho de 2009. No estado da Paraíba, cinco pessoas chegaram a ser denunciadas pela morte de Manoel Mattos, mas, apesar das provas colhidas, o processo ainda encontra-se em fase de ouvir testemunhas.
Como era de se esperar, notícias dão conta que os grupos de extermínio continuam articulados na zona limítrofe de PE e PB. Os mesmos políticos, magistrados e delegados de polícia que Mattos denunciou – e que foram citados nominalmente no relatório final da CPI dos grupos de extermínio, em 2005 – continuam dominando o aparato estatal da região. Há apenas duas semanas, a mãe de Manoel Mattos, Nair Ávila, que de forma corajosa tem buscado justiça para seu filho, foi perseguida quando saía de uma audiência judicial em Itambé.
O assassinato de Manoel Mattos é um triste retrato de um Brasil que ainda é governado livremente pelo crime organizado. Apesar de todos os avisos, de todas as denúncias, de todas as medidas, não conseguimos evitar sua morte. Cabe às autoridades, agora, impedir que aqueles que mataram Manoel Mattos tenham o terreno livre para continuarem a praticar seus crimes.
JUSTIÇA GLOBAL
DIGNITATIS – Assessoria Técnica Popular
MNDH/PE – Movimento Nacional de Direitos Humanos de Pernambuco
–> Entenda os argumentos jurídicos para a federalização do assassinato de Manoel Mattos — LEIA a nota da Justiça Global e da Dignitatis, de julho de 2009
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