sábado, 11 de dezembro de 2010

Marcos Rolim: pesquisas revelam que 95% das pessoas já cometeram um crime

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11/12/10 | 14:00

Marcos Rolim: pesquisas revelam que 95% das pessoas já cometeram um crime

Lívia Stumpf

Marcos Rolim / Foto: Lívia Stumpf/ CMPA

Alexandre Cruz / Especial para o Sul21

Consultor de Direitos Humanos e Segurança Pública, o ex-deputado gaúcho Marcos Rolim revela que, segundo pesquisas realizadas, 95% das pessoas, em todo o mundo, “já praticaram pelo menos um crime em suas vidas”. Rolim defende que as crianças brasileiras passaram a ser vistas como seres com direitos, depois do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aprovado em 1990. Reconhece, no entanto, que ainda falta muito para que as crianças tenham, por exemplo, uma educação de qualidade. Sobre a violênia de gênero, o consultor lembra que no Brasil uma em cada três mulheres já foi vítima de agressão.

Pergunta – Uma leitora do blogue Jornalismo Descomplicado questiona: “Por que bandidos têm mais direitos que o cidadão que não comete delitos”?
Marcos Rolim
– A afirmação da leitora expressa uma incompreensão. Os direitos humanos assegurados pela Constituição dizem respeito sempre a todas as pessoas. Os direitos previstos aos acusados da prática de algo ilícito são também direitos de todos nós. Se, um dia, a referida leitora for acusada da prática de um crime – por exemplo: sonegação fiscal – terá condições de entender porque é importante a ampla defesa e o princípio da presunção da inocência, por exemplo. O complicado no Brasil é que as pessoas não têm a menor noção a respeito dos valores mais elementares que estruturam o direito e reproduzem, quase sempre, uma visão preconceituosa. Sobre o “cidadão que não comete delito” devo dizer, ainda, que esta é uma figura metafísica. Pesquisas com estudos de autorrelato (self report studies), onde se oferece um questionário para respostas anônimas, têm demonstrado em todo o mundo que 95% das pessoas já praticaram pelo menos um crime em suas vidas. Fiz apenas um destes estudos com uma turma de especialização em direito militar – todos os alunos integrantes das Forças Armadas. Para o crime de tortura, encontrei 75% de respostas positivas e para o crime de comprar produto pirata (sabedor que se tratava de produto pirata) encontrei 100% de respostas positivas. Assim, é importante entender que o crime diz respeito à agência humana. A maior parte das pessoas comete delitos de menor gravidade, especialmente durante sua juventude; enquanto alguns cometem delitos muito graves e constroem carreiras criminais.

P – Na área dos Direitos Humanos, quais os avanços ocorridos no Brasil?
MR
– A resposta a esta pergunta depende da escala temporal que se adotar. Se olharmos para o que ocorreu no Brasil nos últimos 200 anos, veremos um País que rompeu com a escravidão, após três séculos de horror, e que hoje luta para a plena integração dos negros e pelo fim do racismo; veremos um país que saiu de uma posição subalterna e colonial para uma das 10 nações mais ricas do planeta onde a expectativa de vida já supera os 70 anos. Se nossa escala temporal for menor, digamos 30 anos, veremos um país que sai da experiência de uma ditadura militar, que impôs a censura à imprensa e uma repressão cruel aos seus opositores – com tortura, assassinatos e ocultação de cadáveres – para uma situação de consagração constitucional das garantias fundamentais e para o mais longo período democrático de nossa história republicana. Por qualquer escala, entretanto, parece evidente que a par dos inúmeros avanços e conquistas já obtidas, temos ainda uma importante agenda a cumprir. Penso que os desafios são vários. Eles começam na exigência pelo fim da miséria – o que só será possível com políticas mais ousadas de inclusão social por parte do Estado brasileiro – e se estendem à efetivação dos direitos já reconhecidos por lei, especialmente aos grupos fragilizados socialmente, o que envolve as crianças, as mulheres, as minorias étnicas, os homossexuais, os deficientes físicos e mentais, os portadores de sofrimento psíquico, etc. Penso também que precisamos aperfeiçoar nossas instituições com o objetivo de combater a ineficiência, os privilégios e a corrupção.

P – Como o Brasil tem tratado as crianças?
MR
– Avançamos muito desde a vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente. As pessoas não se dão conta, porque as mudanças se deram em um período muito pequeno do ponto de vista histórico. Antes do ECA, as criança no Brasil eram vistas como seres desprovidos de direitos. Pouco mais que um apêndice de seus pais. A ideia da titularidade de direitos das crianças expressa uma revolução cultural que não pode ser menosprezada. Mas isso foi apenas um passo. Precisamos avançar muito para assegurar às crianças brasileiras uma educação de qualidade e temos, ainda, que melhorar a rede de proteção à infância, especialmente os Conselhos Tutelares, de tal forma que seja possível prevenir a violência contra as crianças, seja a violência física, seja o abuso sexual ou a negligência. No que diz respeito à negligência, é fato de que o problema não atinge apenas as famílias pobres. Muitas famílias privilegiadas socialmente terminam por reproduzir um padrão de abandono as suas crianças. Isto costuma se refletir em sofrimento destas crianças, em ausência de limites em seu processo de formação e em comportamentos delinquentes na adolescência.

P – Até que ponto a tolerância com a exploração sexual das mulheres legitima outras formas de violência contra as mulheres?
MR
– Uma em cada três mulheres brasileiras já foi vítima de agressão. A violência contra a mulher é uma epidemia mundial, mas é mais grave em países tão desiguais como o nosso onde a violência aparece associada à ideia de “masculinidade”. Penso que tal associação seja espúria e que homens que batem em mulheres não gostam de mulheres na verdade. Mas a violência contra as mulheres não é só física. Há uma violência do cotidiano que é tão grave quanto os casos de espancamento e que normalmente é invisível. Refiro-me à dominação e à intolerância que caracteriza muitas relações conjugais. Nestas situações, as mulheres são tratadas como se fossem incapazes, suas vidas são controladas pelos seus companheiros, suas rotinas bisbilhotadas ou regradas pelas ordens do seu parceiro. É comum que este tipo de relação constitua uma realidade marcada pelo terror das ameaças, entre outros fenômenos deploráveis.

P – O senhor é a favor de uma lei que coíba anúncios de prostituição na imprensa?
MR
– A liberdade de imprensa deve ser total no que se refere à mídia impressa. Os donos dos veículos respondem pelos abusos eventualmente praticados. O mesmo raciocínio não se aplica às emissoras de rádio e televisão que, segundo a Constituição, são meios de natureza pública – vale dizer: de propriedade do povo brasileiro –, explorados por empresas privadas mediante concessões do Estado. Os limites para estes meios estão definidos no capítulo da Constituição Federal que trata da comunicação social – onde se estabeleceu a missão educativa como central para as emissoras de rádio e TV. No caso dos jornais e revistas, entretanto, não há qualquer “missão constitucional”. Eles devem, simplesmente, respeitar a lei. Por isso, não cabe qualquer óbice à publicação de anúncios de prostituição. Trata-se de atividade que não constitui ilícito e que, aliás, deve merecer todo o respeito. O problema da exploração sexual de mulheres na prostituição é outra questão. Neste caso, a proibição dos anúncios em jornal só tornaria mais difícil a opção das mulheres em não se vincular às redes formais de prostituição. Graças aos anúncios, muitas garotas podem trabalhar como autônomas, sem depender de casas de prostituição ou de rufiões que as exploram.

P – O direito à saúde é condição indispensável para o exercício de outros direitos. A privatização dos serviços de saúde põe em risco este princípio?
MR
– Em tese sim. A saúde é um dos direitos humanos reconhecidos como de “segunda geração”. Ela diz respeito a um direito que é pressuposto para muitos outros. Se o Estado tem a obrigação de assegurar este direito a todos, então deve tratar de alcançá-lo também e sobretudo aos mais pobres. Se os serviços de saúde são privatizados isto fará com que os mais pobres tenham mais dificuldade de acessá-los. Então, o que me parece correto é que exista um sistema único de saúde que assegure a gratuidade e a qualidade destes serviços. A medicina de grupo e os serviços particulares devem existir como uma alternativa legítima, mas não em substituição ao SUS. Aliás, temos no Brasil um dos melhores sistemas de saúde do mundo. Suas imperfeições são, quase todas, derivadas do fato de que o SUS não consegue atender a todos com a devida presteza. A demanda segue sendo muito superior à capacidade de atendimento. Daí as filas e as listas de espera. Mas a qualidade dos serviços prestados pelo SUS é igual ou superior àquela dos melhores serviços privados, o que tem assegurado a milhões de pessoas pobres serviços que não existem para os desvalidos nos EUA e mesmo na maioria dos países europeu.

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