segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Terra, 17/12/07
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Fathi Ja, filho de agente da CIA, faz segurança em campo no meio da selva

Recrutados pela CIA fogem desde a Guerra do Vietnã

Quatro décadas depois que a Agência Central de Inteligência (CIA) norte-americana contratou milhares de guerreiros da selva para combater os comunistas em uma das áreas periféricas da guerra do Vietnã, homens que se declaram veteranos daquela operação clandestina vivem em isolamento, famintos e ainda ocasionalmente perseguidos pelo governo comunista laosiano, que continua a desconfiar dos combatentes que se alinharam com os Estados Unidos.

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"Caso eu me renda, serei punido", disse Xang Yang, 58 anos, um homem musculoso e ainda capaz de galgar agilmente os bambus da selva laosiana. "Eles jamais me perdoarão. Não posso viver fora da selva porque combati pelos Estados Unidos".

Em uma pequena clareira cerca de 15 km a leste do rio Mekong, Yang e quatro outros veteranos sobrevivem de maneira primitiva, com suas mulheres e 50 filhos e netos. O acampamento escondido em que vivem na selva fica a 15 horas de caminhada da mais próxima estrada asfaltada, pelo relevo acidentado das colinas e através de correntezas que na temporada de seca têm profundidade de cerca de meio metro mas se tornam rios caudalosos na época da monção.

Yang disse que seu grupo foi atacado pelo exército laosiano duas vezes, este ano. Em setembro, os soldados mataram um menino de cinco anos, sepultado nos limites do acampamento. Em maio, um ataque ao nascer do dia matou uma mulher e seu filho de dois anos. O grupo transfere seu acampamento a cada duas semanas, a fim de evitar ataques.

Eles normalmente se posicionam a quilômetros de distância das plantações de arroz ou dos vilarejos locais, mas ocasionalmente viajam à noite, armados com seus fuzis AK-47, para conseguir comida junto a fazendeiros amistosos. Eles dizem que obtiveram suas armas e uniformes de soldados laosianos que fugiram depois de um tiroteio com o grupo em 1999.

A operação da CIA, que durou de 1961 a 1975, se tornou conhecida como "a guerra secreta", porque, diferentemente do Vietnã, o envolvimento militar norte-americano no Laos era clandestino. Em lugar de enviar tropas terrestres norte-americanas para impedir uma tomada de controle pelos comunistas, a CIA contratou dezenas de milhares de mercenários, a maioria dos quais da etnia hmong, uma minoria que vive nas montanhas de Laos.

Hoje, o número de veteranos combatentes hmong e suas famílias que continuam ocultos na selva é estimado entre algumas centenas e alguns milhares, de acordo com Amy Archibald, porta-voz da embaixada norte-americana em Vientiane, a capital.

Os problemas que eles enfrentam, embora não muito conhecidos, receberam mais atenção nos últimos, com grupos de defesa dos direitos humanos criticando o governo do Laos por seus ataques aos hmong que colaboraram com os Estados Unidos.

Ainda assim, localizar os veteranos em seus acampamentos é uma tarefa árdua e requer horas de caminhada pela selva. Minha recente visita ao remoto esconderijo de Yang foi a primeira já realizada por um repórter norte-americano, e além de mim apenas cerca de uma dúzia de pessoas já visitaram quaisquer dos campos de veteranos da CIA existentes no Laos.

Os antigos combatentes e seus descendentes claramente receberam a visita com alegria. Quando cheguei ao campo, acompanhado por um fotógrafo, muitos dos membros dos membros do grupo começaram a chorar e a dizer, no idioma lao, "América nos ajude, América, nos ajude".

Os cinco veteranos que vivem no campo têm parentes instalados nos Estados Unidos, e dizem que ainda sonham em se unir a eles. A esperança de Yang é que Washington "volte para ajudar velhos soldados como eu a deixar o Laos e chegar aos Estados Unidos".

"Queremos um lugar para viver na América", disse outro veterano, Va Chang, 60. "Queremos que os norte-americanos nos dêem alimentos e remédios". "Caso eles não desejem nos ajudar como pedimos", ele afirma, "deveriam lançar uma grande bomba sobre nós e pôr fim à nossa miséria".

Os grupos de defesa dos direitos humanos descrevem os combates em sua maioria unilaterais entre os antigos combatentes da CIA, maltrapilhos e mal armados, e o exército laosiano, disposto a desalojá-los de seus refúgios na selva.

Um relatório da Anistia Internacional divulgado em março afirma que tropas do Laos estiveram envolvidas em numerosos ataques contra os veteranos e suas famílias, na região norte do Laos, nos últimos anos, uma avaliação com a qual diplomatas norte-americanos concordam.

¿Consideramos essas informações muito confiáveis, e sabemos que existem abusos de direitos humanos cometidos pelas forças de segurança¿, disse Archibald. ¿Mas não temos como determinar quem disparou a primeira bala¿.

O relatório anual do Departamento de Estado norte-americano sobre os direitos humanos, divulgado em março, menciona os esforços intensificados das forças de segurança para eliminar os bolsões dispersos de combatentes hmong. A pressão do exército laosiano, segundo o relatório, "tem por objetivo causar fome que force as famílias restantes de insurgentes a deixar a selva".

O governo laosiano, talvez preocupado com o efeito que o conflito poderia ter sobre o florescente setor de turismo do país, nega que quaisquer confrontos tenham ocorrido ou que haja veteranos da CIA ainda escondidos.

"Não existem combatentes hmong da CIA na selva", disse Yong Chanthalangsy, porta-voz do Ministério do Exterior laosiano. "Não há confrontos. Como você pode perceber se viajar por nosso país, a atmosfera é de paz". Ele afirmou que Yang e seu grupo eram provavelmente apenas "bandidos".

Foragidos há três décadas, os cinco homens não dispõem de documentos que provem que combateram na guerra. Mas conhecem os nomes-código das pistas de aterrissagem da CIA que protegiam, bem como os nomes de guerra de alguns dos norte-americanos com quem serviram, entre os quais um "Mr. Tony", possivelmente Tony Poe, que comandou as operações da CIA no Laos por algum tempo e morreu em 2003.

Eles ainda trazem estilhaços dos combates em seus corpos, e um dos veteranos, Jangwang Xiong, 57 anos, tem uma perna danificada, devido a um ferimento sofrido em combate contra forças apoiadas pelo Vietnã do Norte, em 1971, ele alega.

A CIA inicialmente contratou os hmong para apoiar o governo do Laos em sua luta contra uma insurgência comunista. Mais tarde, no curso da guerra do Vietnã, os hmong foram instruídos a interceptar comboios de suprimentos na série de caminhos de selva que formavam a chamada "trilha de Ho Chi Minh", que percorria boa parte do território do Laos.

Chang disse que foi instruído a defender o Lima Site 258, uma das pistas de pouso improvisadas nas montanhas que a CIA usava para movimentar suprimentos e homens pelo território laosiano.

O grupo é indigente até mesmo sob os padrões da Indochina rural. A dieta de seus membros consiste essencialmente de mandiocas selvagens colhidas na mata, brotos de bambu e pequenos animais caçados com arcos e flechas. Ocasionalmente, o grupo recebe arroz de aldeões que se dispõem a correr o risco de manter uma associação secreta com eles.

Cercadas por seus filhos e netos, todos aparentando cansaço, os cinco homens parecem mais velhos do que são, e se assemelham pouco, hoje, aos jovens aldeões hmong que conquistaram respeito como combatentes ao longo da guerra.

Colin Thompson, que trabalhou nas operações laosianas da CIA entre 1963 e 1966, lembra os hmong como resistentes e leais.

"Alguns dos combatentes hmong eram extraordinariamente corajosos", disse Thompson em entrevista por telefone, de sua casa em Maryland. "Era mais difícil derrotá-los do que aos outros grupos tribais. Resistiam e protegiam ferozmente o seu território".

O trabalho de Thompson incluía carregar pilhas de dinheiro laosiano para pagar os salários dos soldados hmong. Ele lamenta a situação dos combatentes que restantes, mas afirma que Washington não deveria sentir a obrigação de trazê-los aos Estados Unidos. Essa não é a opinião dos hmong, muitos dos quais se sentiram atraiçoados pelos norte-americanos quando a guerra terminou.

Tradução: Paulo Eduardo Migliacci ME

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