terça-feira, 1 de abril de 2008

Última Instância, 31/03/08
http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/49261.shtml
Menção de “organização criminosa” não derruba denúncia da Daslu
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Rosanne D'Agostino

A incidência da Lei 9.034/95, que dispõe sobre prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, não torna inepta a denúncia apresentada pelo MPF (Ministério Público Federal) contra importadoras e a butique de luxo Daslu, em São Paulo. A decisão é da 6ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que negou por unanimidade habeas corpus à empresária Eliana Tranchesi, dona da empresa.

Eliana, o irmão dela, então diretor financeiro da loja, Antônio Carlos Piva de Albuquerque, e mais cinco pessoas ligadas a empresas de importação que mantinham negócios com a Daslu respondem a processo 2ª Vara da Justiça Federal em Guarulhos (SP) desde dezembro de 2005. Todos são acusados de subfaturamento de produtos, por meio de notas fiscais falsas, cujo intuito seria burlar a Receita Federal. O esquema teria economizado cerca de US$ 11 milhões em impostos para a Daslu

Pela denúncia de 67 páginas dos procuradores da República Matheus Baraldi Magnani e Jefferson Aparecido Dias, do MPF em Guarulhos, Eliana e o irmão sofrem três acusações por descaminho (produto lícito transportado de forma irregular) consumado, três por descaminho tentado (quando o crime não é consumado), nove de falsidade ideológica (fraude em documentos) e uma por formação de quadrilha, todas combinadas com a Lei 9.034/95. As penas mínimas somam 21 anos de prisão.

O MPF classifica a ação como a de uma organização criminosa da seguinte maneira: “Emana da presente investigação que os denunciados associaram-se de forma constante, perene e articulada para a prática de crimes. Resta deflagrado um esquema criminoso com divisão clara de atribuições e hierarquia dentro da organização criminosa, esquema este cujo objetivo era viabilizar um sistema fraudulento de importações”.

Inépcia
Para tentar anular o processo pela raiz, a defesa de Eliana recorreu ao TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região alegando que um tópico da denúncia, denominado pelos procuradores de “organização criminosa”, tornaria a peça inepta. O problema está no uso da Lei 9.034/95, que dispõe sobre a repressão e prevenção de ações praticadas por esse tipo de grupo organizado.

Segundo os advogados, o MPF fez uma descrição “típica” do que entende ser a organização criminosa cujo esquema tinha por objetivo viabilizar um sistema fraudulento de importações, do qual participaria Eliana. Mas conseguiu, no máximo, descrever uma quadrilha ou bando, sem conexão com a criminalidade organizada.

A aplicação de preceitos jurídicos sem contornos definidos traz grave “ameaça” à cliente, diz a defesa, com a possibilidade de futura quebra de garantias processuais penais. “A incidência se mostra totalmente descabida, com efeitos abusivos”, conclui.

O pedido foi negado por maioria pelo TRF-3, sob o entendimento de que “na fase processual em que se encontra a ação penal originária e pelas provas trazidas aos autos, não é possível afirmar que não restou demonstrada a existência de uma ‘organização criminosa’ de modo a afastar a aplicação da Lei nº 9.034/95”.

Vencido, o desembargador federal Luiz Stefanini, havia votado para conceder parte do pedido e afastar a incidência da lei no caso. Para ele, combinar todas as imputações com a lei “poderá acarretar futura nulidade ao processo”.

Debate
No STJ, a relatora na 6ª Turma, ministra Maria Thereza de Assis Moura, considerou que a própria tentativa de habeas corpus deu a entender que a defesa pretende afastar um tipo penal que não existe na lei brasileira. “Não é plausível declarar-se a ausência da descrição de algo que, legalmente, não se encontra pormenorizado”, afirmou.

Segundo ela, o que consta no ordenamento jurídico “é um conjunto de medidas processuais, rigorosas, relativas à prática delitiva com um modus operandi específico, dotado de profissionalização e estrutura aparelhada”.

A ministra também levou em conta os questionamentos de doutrinadores contra a maneira pela qual foi introduzida a matéria por meio da lei. “Porém, as reconhecidas imperfeições não impedem sua aplicação, naquilo que não confrontar com a Constituição da República, sendo as regras, repita-se, de cunho processual e não material”, completou.

Já o ministro Nilson Naves votou para conceder o HC, entendendo que houve “excesso” e “imoderação” por parte do MPF. “O que são organizações criminosas? Singularmente, o que é uma organização criminosa? A lei não a definiu. Inexiste conceito legal de crime organizado, que é mais do que quadrilha ou bando”, afirmou.

De acordo com o ministro, segundo o que vem doutrinariamente sendo escrito, a organização pressupõe criminalidade difusa, violência, intimidação, internacionalidade, entre outros. “Ao que entendo, as condutas descritas não se encaixam no que vem sendo definido como organização criminosa”, completou.

Mas a Turma decidiu seguir o entendimento da relatora, para quem o MPF descreveu os fatos de forma pormenorizada, de maneira a possibilitar o pleno exercício do direito de defesa. “Inepta, pois, ela não é.”

Com relação à ameaça aos direitos de Eliana, a ministra garante que “toda e qualquer decisão judicial que quebre sigilos, determine encarceramento preventivo ou indefira liberdade provisória deverá, a teor do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, ser fundamentada”.

Para ela, “é evidente que qualquer medida processual constritiva não decorrerá, pura e simplesmente —de forma automática— do reconhecimento da existência, ou não, de organização criminosa”.

Por fim, ela destacou que não houve qualquer constrangimento ilegal concreto e que o STJ, em habeas corpus, não pode entrar no mérito de uma análise fático-probatória.

Segunda-feira, 31 de março de 2008

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