http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1110200902.htm
Família Sarney interfere em agenda do ministro do pré-sal
Grampo mostra que filho e aliado do senador têm ingerência em compromissos de Lobão
Fernando Sarney e Silas Rondeau incluem reuniões na agenda do ministério; Lobão cita amizade e diz que são "apenas solicitações"
HUDSON CORRÊA
ENVIADO ESPECIAL A SÃO LUÍS (MA)
ANDRÉA MICHAEL
ANDREZA MATAIS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Conversas interceptadas pela Polícia Federal mostram que o filho mais velho de Sarney e um apadrinhado antigo do clã maranhense têm livre acesso ao ministro Edison Lobão (Minas e Energia) e a seu gabinete.
Nesses diálogos, eles ditam compromissos para Lobão ou para seus assessores e secretárias, marcam e cancelam reuniões do ministro sem avisá-lo previamente, orientam Lobão sobre o que dizer a empresários que irá receber, falam de nomeações no governo e discutem contratos que acabariam assinados pelo ministério.
As conversas, no entender da PF, configuram "tráfico de influência" -crime de solicitar ou obter vantagem para influir em órgão público-, que prevê de dois a cinco anos de prisão.
O relatório do inquérito diz que Fernando, o filho mais velho de Sarney, "coordenou a prática ilícita". Silas Rondeau, o aliado de Sarney que antecedeu Lobão no Ministério de Minas e Energia e de lá saiu em 2007 sob denúncias de corrupção, seria seu subordinado.
Obtidas pela PF com autorização da Justiça, as escutas fazem parte da Operação Boi Barrica (rebatizada de Faktor), que investigou negócios da família Sarney e culminou com o indiciamento de Fernando sob a acusação de crime de quadrilha, gestão de instituição financeira irregular, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica.
Apelidos
Nas conversas, Lobão, Rondeau e Fernando se tratam quase sempre por apelidos. O ministro é chamado de "Magro Velho". Rondeau é o "Baixinho". Fernando é chamado de "Bomba", "Bombinha" ou "Madre", e José Sarney é chamado de "Madre Superiora".
Questionado pela Folha, Lobão negou que José Sarney, por meio de Fernando e Rondeau, interfira em sua agenda ou tenha influência sobre questões do governo. Eles "podem fazer solicitações", disse. "O [nosso] relacionamento é de amizade."
O conteúdo de oito grampos a que a Folha teve acesso, porém, mostra que o ministro "terceirizou" aos colegas a sua agenda de compromissos.
Num diálogo de 16 de setembro de 2008, Fernando conversou com o então assessor de imprensa de Lobão -Antônio Carlos Lima, o Pipoca- e contou que marcou um jantar de negócios para o ministro para a semana seguinte: "Depois eu me acerto com ele [Lobão]".
Nesse mesmo dia, Fernando falou com Lobão sobre dois compromissos que este teria no ministério e deu instruções.
O primeiro foi uma audiência com representantes de emissoras de rádio e de TV, para discutir como revogar o decreto presidencial que programava o início do horário de verão. Lobão resistiu. "Escuta e vê se é possível. Entendeu?", disse Fernando. "Tá bom."
O segundo foi uma reunião com Lauro Fiúza, da ABEEólica (Associação Brasileira de Energia Eólica). "Eu tinha acenado com ele que de repente você ia fazer um contato mais próximo. (...) Vão fazer uma exposição para você sobre os projetos", comunicou Fernando. Em 2008 Fiúza contratou por R$ 10 mil mensais a RV2 Consultoria, de Rondeau, para assessorar a ABEEólica.
Secretária
Noutra conversa, datada de 30 de junho de 2008, Rondeau pediu à secretária de Lobão, Telma, para inserir na agenda do ministro um encontro com o grupo espanhol Gás Natural em 9 de julho. "Como é o nome da empresa?", perguntou Telma.
Rondeau explicou que "é parceira da Petrobras na distribuição de gás natural no Rio" (embora tenha sido exonerado da pasta em 2007 e denunciado à Justiça um ano depois, Rondeau continua no Conselho de Administração da Petrobras.)
Dois minutos depois de acertar com a secretária de Lobão a audiência, Rondeau ligou para um executivo da Gás Natural e disse que o ministro tinha "bastante interesse em ouvir que vocês estariam dispostos [a investir] em caso do Maranhão como um mercado gasífero".
Ainda em 30 de junho de 2008, Rondeau contatou a secretária para agendar outra reunião. "Dia 4 está bom. São dois donos da Engevix que querem tratar o assunto do Peru. Ele [Lobão] sabe o que é", disse.
Rondeau ligou a seguir para José Antunes Sobrinho, sócio da Engevix, e ouviu o pedido para que o acompanhasse à reunião com Lobão para tratar da construção de hidrelétricas no Peru com a participação da Eletrobrás, estatal ligada à pasta: "Sua presença é fundamental pelo fato de que os próximos passos já saem na hora com sua cooperação", afirmou Antunes.
Na tarde de 4 de julho, Rondeau ligou de novo para Telma e solicitou a ela que alterasse os registros da agenda oficial: "Tira do registro. Tu te lembras das fofocas de agenda, de registro. Você está bem vacinada. Para evitar qualquer ilação, tira meu nome. Se eu puder ir, eu vou, mas tira do agendamento".
No sistema interno do Ministério de Minas e Energia não há anotação de reunião de Lobão com a Engevix no dia 4 -apenas de outra, no dia 9. Dois meses depois, a Engevix assinou acordo com a Eletrobrás para estudar a viabilidade de construir seis usinas em território peruano, num negócio estimado em US$ 16 bilhões.
Além de interferir na agenda de Lobão, a PF concluiu que Fernando Sarney tratava de nomeações no ministério. É o que indica conversa de 27 de agosto do ano passado com o assessor de imprensa de Lobão.
"Tu te lembras hoje de manhã que tu me falaste daqueles cargos que tinha de R$ 800, R$ 900, aquele negócio todo?", pergunta Fernando. "Eu vou pedir para uma amiga minha, que se chama Lina, vou dar o teu telefone pra ela. Eu queria que tu botasse [ela] nesse esquema", pediu o filho do presidente do Senado. "Manda ela ir me visitar lá", disse Pipoca.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1110200903.htm
outro lado
Lobão afirma que filho de Sarney "não marca audiências"
Honório Moreira - 10.jul.2009/O Imparcial |
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA O ministro Edison Lobão (Minas e Energia) afirmou que Fernando Sarney -filho do senador José Sarney (PMDB-AP)- pode solicitar audiências e também confirmou que recebeu empresários a pedido de Silas Rondeau. Negou, porém, que isso configure interferência em sua agenda.
"O empresário Fernando Sarney não marca nem desmarca audiências. Pode solicitá-las. Também não exerce influência no Ministério de Minas e Energia, ao qual não pertence", afirmou o ministro à Folha, por meio de assessoria.
Com relação a Silas Rondeau, disse: "Como ex-ministro de Estado pode pedir audiências e ser atendido, como no caso mencionado", em referência às reuniões com dirigentes das empresas Engevix Engenharia e da CEG, distribuidora de gás natural no Rio, ambas marcadas diretamente por Rondeau com a secretária de Lobão.
Com a Engevix, ele afirmou que "a empresa fez apresentação dos projetos de engenharia na área energética em execução no país e no exterior".
Já no encontro com a CEG, os diretores lhe apresentaram o plano de atuação da distribuidora e registraram o posicionamento da empresa sobre o projeto de lei do gás natural, em trâmite à época no Congresso Nacional. O projeto foi aprovado no final do ano passado.
Lobão disse não haver tráfico de influência na pasta nem ingerência em nomeações para cargos. "O relacionamento entre o sr. Fernando Sarney e o ministro Edison Lobão é de amizade. Não houve nomeação realizada a seu pedido."
Fernando Sarney afirmou à Folha que não iria se pronunciar sobre o assunto, por se tratar de investigações que correm em segredo de Justiça.
Seu pai também não quis comentar o conteúdo das escutas da PF que envolvem seu filho e seus dois aliados políticos.
Rondeau negou o tráfico de influência. "Se eu preciso de alguma coisa no ministério, tenho feito através dos trâmites normais. Faço como qualquer outra pessoa tem que fazer. Nenhum empresário precisa do meu concurso para marcar audiência com o ministro. Pelo que sei, essas agendas nunca tiveram nenhum tipo de interferência de terceiros até porque não poderia ser diferente."
Apesar das escutas o terem flagrado falando com representantes da Gás Natural, Rondeau disse que, por participar do Conselho de Administração da Petrobras, "não tem contrato com qualquer grupo investidor que atue especificamente no ramo de petróleo e gás".
Telma Damasceno dos Santos, secretária do gabinete de Lobão que aparece em gravações falando com Rondeau sobre audiências e informando a ele os compromissos do ministro antecipadamente, disse que "não permite livre acesso à agenda do sr. ministro Lobão sem a autorização do mesmo".
Também assessor de Lobão, Antonio Carlos Lima nega ter atendido pedidos de Fernando para nomeação em cargos ou audiência com empresários. Ele afirmou que a agenda do ministro é pública. A página do ministério na internet, no entanto, só permite acesso aos compromissos de Lobão do dia.
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