quarta-feira, 28 de julho de 2010

http://www.conjur.com.br/2010-jul-26/globo-condenada-divulgar-brincadeira-faustao-autorizacao

Globo é condenada por divulgação sem autorização

A reprodução desautorizada de imagem de uma brincadeira na TV, mesmo que não seja ofensiva, garante indenização. Com esse entendimento, o desembargador Jesus Lofrano, da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, condenou a Rede Globo a indenizar um casal vítima de uma pegadinha do Faustão em R$ 5 mil. “As testemunhas alegaram terem assistido o programa que veiculou a pegadinha, comprovando a participação dos autores na brincadeira”, diz o acórdão. Ainda cabe recurso dessa decisão.

O casal entrou com ação de indenização por danos morais contra a Rede Globo após a exibição da brincadeira feita pelo programa "pegadinha do Faustão". Os dois, representados pelo advogado Marcelo Monteiro dos Santos, não gostaram da veiculação na TV de uma brincadeira feita em um supermercado. E, por isso, foram à Justiça.

Anteriormente, o juiz Marcelo França de Siqueira e Silva, da 25ª Vara Cível de São Paulo, julgou improcedente a ação de indenização contra a Rede Globo por falta de provas. De acordo com o juiz, não foi apresentada a fita de vídeo que comprovasse a brincadeira. Por isso, ele entendeu que não houve a veiculação da imagem dos autores no programa Domingão do Faustão. O casal foi, então, condenado a pagar as custas, despesas processuais e os honorários advocatícios, fixados na proporção de 15% sobre o valor da causa.

O Tribunal de Justiça paulista reformou a decisão. O desembargador afastou a Lei de Imprensa, artigo 58, parágrafos 1° e 3º, que determinam o prazo de 30 dias para conservação em arquivo dos programas exibidos. Lofrano entendeu que o prazo era insuficiente para a produção de prova material — cópia das gravações. A emissora afirmou que não tinha as gravações, mantidas por apenas 30 dias. Dessa forma, o desembargador aceitou prova testemunhal da participação no programa.

De acordo com os autos, a brincadeira consistia em uma pequena confusão que atores causavam em um supermercado. “Quando o cliente do supermercado se aproximava do caixa para pagar suas compras, era abordado pela atriz, a qual se passava como cliente e queria a permissão para passar à frente no caixa para pagar o pacote de bolachas, e assim as pessoas permitiam sua passagem”, relata o acórdão. E mais: Ao passar pela pessoa, "a atriz chamava o outro ator, o qual vinha logo atrás da pessoa com um carrinho de supermercado lotado de pacotes de bolacha; quando a pessoa percebe o abuso, instaura-se a discussão entre o cliente, a atriz e o ator, alegando os atores que o cliente havia permitido passar com as bolachas.”

Para o desembargador, “ainda que a brincadeira não tenha sido ofensiva de modo a propiciar indenização por danos morais, houve reprodução desautorizada de imagem em programa veiculado pela ré, razão pela qual os autores devem ser indenizados.”

Com base na Súmula 403, do Superior Tribunal de Justiça, o relator entendeu que não havia a necessidade de apresentar o vídeo comprovando a participação dos clientes do supermercado. "Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais", diz a Súmula.

O desembargador Jesus Lofrano acatou a apelação do casal e condenou a Rede Globo a indenizá-lo, por danos morais, em R$ 5 mil para cada um. O valor deverá ser corrigido na publicação do acórdão e com juros a partir da veiculação desautorizada da "pegadinha". A emissora deverá arcar, ainda, com os honorários fixados em 15% do valor corrigido da condenação.

Leia aqui a decisão do TJ.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=34695
27/7/2010
Uma luta pelo banimento do amianto. Entrevista especial com Fernanda Giannasi
O amianto é o nome comercial genérico para uma variedade fibrosa de seis minerais metamórficos naturais utilizados em produtos como telhas, caixas d'água, coberturas de edifícios, vestimentas e revestimentos à prova de fogo, isolamento térmico, entre outros. Trata-se de um material com grande flexibilidade e resistência tênsil, química, térmica e elétrica, mas que pode causar câncer tanto nos trabalhadores que lidam diretamente com essas fibras quanto na população que adquire produtos com amianto.

O debate acerca do banimento do amianto já existe há muitos anos, mas a articulação entre empresas e sindicatos deste setor conseguiu, em grande parte, manter a utilização do mineral. Porém, estados como São Paulo já criaram leis proibindo a produção e comercialização de materiais com essa variedade fibrosa. “Em São Paulo, há dois grupos empresariais que ainda insistem em descumprir a lei. Nós já interditamos estas empresas, mas eles recorrem na Justiça. As duas já desenvolveram tecnologia substitutiva ao amianto, mas continuam querendo lucrar o máximo que podem com o mineral. Elas sabem que, assim que passarem a utilizar a nova tecnologia, os preços ficarão competitivos”, diz Fernanda Giannasi que luta há 25 anos contra o amianto.

Em entrevista à IHU On-Line, por telefone, a engenheira civil e auditora-fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego, narrou sua trajetória de luta e analisou a situação atual do Brasil em relação ao banimento e aos substitutos ao amianto..

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Você luta há 25 anos contra o amianto. Como você se inseriu nessa luta?

Fernanda Giannasi – Em 1986, fui aprovada em um concurso público para o cargo de Auditora Fiscal. Na época, podíamos atuar em três áreas: engenharia, medicina e direito. Eu vinha da área de pesquisa na área de engenharia de materiais, e, por coincidência, atuava no Instituto de Pesquisas Tecnológicas, onde faziam pesquisas sobre a substituição do amianto. No final dos anos 1980, a própria Eternit, que hoje luta para manter o amianto, realizava pesquisas com diversas fibras que poderiam substituí-lo, porque já existia uma indicação que poderia banido.

Quando eu entrei no Ministério do Trabalho, fiquei surpresa com a demanda que vinha para a fiscalização em relação ao amianto. Com isso, eu e um colega médico resolvemos mudar a dinâmica e, ao invés de ficar analisando processos de protocolo, começamos a reunir dados para identificar os riscos do ambiente de trabalho e, é claro, que o amianto saltou aos olhos. Havia, nesse período, uma discussão internacional pelo banimento do amianto, existia um fórum na Organização Internacional do Trabalho - OIT que debatia se o mineral deveria ser proibido ou se era possível utilizá-lo controladamente. Com esses dados concretos em mãos, passamos a fiscalizar as empresas de São Paulo.

Eu tenho uma convicção muito grande que, ao longo destes anos, fomos amadurecendo com os debates. Não foi uma coisa assim: “baniram lá fora e temos que banir no Brasil”. É uma trajetória de 25 anos de luta. Quando começamos esse trabalho contra o amianto, o Brasil não tinha tecnologia, não tinha trabalhadores organizados, tinha sindicatos já comprometidos com as indústrias. E nós fomos dialogando com todos os setores, acompanhando a evolução tecnológica. Hoje, eu posso dizer que se o banimento do amianto no Brasil for decretado não vai haver nenhum desabastecimento e ninguém vai ser pego desprevenido. Tenho fiscalizado as empresas do estado de São Paulo que continuam brigando para usar o amianto e elas estão abarrotadas de material para a substituição. Então, não usar mais o amianto é uma questão de vontade política.

IHU On-Line – Quem ainda usa amianto no Brasil?

Fernanda Giannasi –
Existem duas questões que precisam ser trazidas para responder a esta questão. Primeiro é a mineração que deixa de existir com o banimento do amianto. E ali existem 600 postos de trabalhos que precisam ser tratados com muita responsabilidade. É preciso fazer uma política de reciclagem e oferta de novos empregos. Em São Paulo, há dois grupos empresariais que ainda insistem em descumprir a lei. Nós já interditamos estas empresas, mas eles recorrem na Justiça. As duas empresas já desenvolveram a tecnologia substitutiva ao amianto, mas continuam querendo lucrar o máximo que podem com o mineral. Elas sabem que, assim que passarem a utilizar a nova tecnologia, os preços ficarão competitivos.

Um exemplo é a tecnologia utilizada para fabricar telhas em cerâmicas. O amianto acaba sendo muito mais barato em comparação aos seus substitutos, como o PVA, o poliprotuleno ou outra fibra de reforço. As indústrias sabem que vão perder o monopólio ou a liderança do mercado de coberturas, mas não querem abrir mão disto.

Um terceiro setor que ainda insiste em descumprir a legislação é o de materiais de isolamento térmico. Como o Brasil já não mais produz estes materiais (papelões hidráulicos, gaxetas, juntas), está importando da China. No entanto, não existe uma política federal que impeça isso. O Ministério de Trabalho de São Paulo tem feito uma forte luta nesse ramo do comércio de produtos importados com amianto.

IHU On-Line – Se existem alternativas para o amianto, porque ele ainda é tão utilizado?

Fernanda Giannasi – Em função do custo. Como o Brasil é um grande produtor, o custo fabricação com o amianto é muito menor em relação ao mesmo processo com materiais substitutivos. Além disso, a fábrica que usa amianto não computa os custos sociais e ambientais. Hoje, a comparação é feita “ponto a ponto” e, olhando desta forma, a fibra do amianto custa 30 vezes menos do que uma fibra de carbono ou de vidro, por exemplo. Com este tipo de comparativo, o consumidor e os políticos se assustam, uma vez que, desta forma, os custos de uma edificação parecem aumentar absurdamente. Mas não se pode fazer comparações nestes termos.

O grande apelo que a indústria do amianto tem é o de dizer que o produto dela custa menos e é voltado a um público de menor poder aquisitivo, o que não é verdade. Outra questão: os números astronômicos de empregos que eles dizem gerar. A indústria do amianto diz ter 200 mil postos de trabalho. No entanto, a cadeia produtiva desse mineral gera três mil empregos, sendo que 600 já correm realmente o risco de extinção, uma vez que são aqueles ligados à mineração.

A indústria coloca nessa conta os postos de trabalho gerados pela construção civil. No entanto, o trabalhador que monta um telhado pode trabalhar com matérias que utilizam ou não o amianto. A indústria do amianto também contabiliza o emprego do comerciante que vende telhas e caixas d’água. Mas este também não é um emprego gerado pelo setor do amianto. O mesmo ocorre com o caminhoneiro que transporta o material. Esse número inflacionado realmente é um mito.

IHU On-Line – O sindicato que representa a construção civil ainda está ligado à indústria?

Fernanda Giannasi –
Venho denunciando há mais de 20 anos essa ligação umbilical dos sindicatos da construção civil com a indústria do amianto. Parte ou a maioria dos sindicatos têm um relacionamento promíscuo com a indústria. Algumas entidades foram criadas pela própria indústria, fato que denunciei à OIT (Organização Internacional do Trabalho) como um crime contra a organização dos trabalhadores. Temos provas de que existe uma ligação entre a Comissão Nacional dos Trabalhadores do Amianto (CNTA) à Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI) e que entre elas há um acordo de financiamento das ações pró-amianto. Isso é um crime que fere as Convenções da OIT.

Nós temos dúvidas até sobre o processo de criação destes sindicatos. O que sabemos é que, de fato, eles não têm legitimidade e representatividade, uma vez que são interlocutores das indústrias, fazendo chantagem com os trabalhadores ao afirmar que se o amianto for banido, os funcionários perderão seus empregos. O trabalhador não tem opção, ele tem que optar entre a saúde e o emprego. Assim, enquanto tem saúde, escolhe o emprego. Porém, quando ele perde a saúde a situação fica muito difícil. Por isso, tem aumentado muito o número de associações de vítimas do amianto nos estados.

IHU On-Line – Que exames precisam ser feitos para se detectar que um trabalhador está doente em função do seu contato com o amianto?

Fernanda Giannasi –
Esses exames são os preconizados pela própria OIT através da convenção 162. Num primeiro momento, é feito um exame clínico para que se possa saber quais são as queixas que o trabalhador tem. Depois, há a teleradiografia de tórax que mede a capacidade respiratória do funcionário. Estes são os exames preconizados pela OIT que as próprias indústrias devem realizar anualmente com seus funcionários. Quando o trabalhador é demitido, a indústria é obrigada a acompanhá-lo por 30 anos, oferecendo estes exames, mesmo que não haja mais vínculo empregatício, e o custo é da empresa.

IHU On-Line – Como a senhora avalia o trabalho da vigilância dos trabalhadores expostos ao amianto?

Fernanda Giannasi –
Embora a lei de 1995 do uso controlável diga que o Sistema Único de Saúde (SUS) deve fazer esta vigilância, a Legislação trabalhista diz que o empregador tem obrigações de fazê-lo. No entanto, ainda não houve de fato um compromisso do Governo brasileiro com esta questão. As vítimas estão aparecendo muito tempo depois de se desligar do trabalho com o amianto. Nós temos alguns centros de excelência, como a Fiocruz e a Fundacentro, que estão acompanhando todas as fábricas que utilizam essa fibra. Agora, ainda falta uma decisão política para que a vigilância seja um programa de governo, onde o Ministério da Saúde possa preparar seus profissionais e seus os centros com os equipamentos para que se possa fazer os diagnósticos. E nós vamos pressionar para que isso se torne realidade.

IHU On-Line – Apesar da proibição e restrição ao uso, uma variação da substância conhecida como amianto branco é produzida e exportada para diversos países. O que é o amianto branco?

Fernanda Giannasi –
Na verdade, o amianto conhecido hoje é um conjunto de materiais fibrosos que tem características específicas, como a grande resistência ao calor, a chamas e a produtos químicos. Entre os amiantos, há o amianto branco, o amianto azul, o amianto marrom. Hoje, quem fala que existe diferença entre amiantos é a indústria, porque ela procura a culpabilidade aos outros tipos de amianto para todos os males da humanidade. Mas já há estudos que provam que o amianto branco, que é menos agressivo que o amianto azul e marrom, também causa câncer.

Dizer que o amianto azul ou o amianto marrom são os culpados é uma bobagem, o amianto branco também é indutor do câncer. Tanto que a Agência de Pesquisa sobre o Câncer da Organização Mundial da Saúde não faz distinção entre os amiantos, todos eles são reconhecidamente cancerígenos para os seres humanos. Então, esta é uma discussão criada para adiar a decisão do banimento. Qualquer cientista e pesquisador sério sabe que não existe diferença entre os amiantos para o efeito do câncer.

Para ler mais:

quinta-feira, 22 de julho de 2010

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/769742-lobby-do-amianto-gasta-us-100-milhoes-no-mundo.shtml
21/07/2010 - 07h03

Lobby do amianto gasta US$ 100 milhões no mundo

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JIM MORRIS
DA BBC/ICIJ, ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma rede mundial de grupos de lobby gastou quase US$ 100 milhões desde a metade dos anos 80 a fim de preservar o mercado internacional do amianto, carcinógeno conhecido que já tirou milhões de vidas e tem seu uso proibido ou restrito em 52 países, constatou o ICIJ (International Consortium of Investigative Journalists) depois de nove meses de investigação.

"Erin Brockovich" brasileira combate o setor

Com apoio de verbas públicas e privadas e a assistência de cientistas e governos simpáticos à causa, os grupos ajudaram a facilitar a venda de dois milhões de toneladas de amianto no ano passado, em sua maior parte a países em desenvolvimento. Ancorada pelo Chrysotile Institute, sediado em Montreal (Canadá), a rede se estende de Nova Delhi (Índia) à Cidade do México, passando pela cidade de Asbest, (Rússia). Sua mensagem é a de que o amianto pode ser usado em segurança sob condições "controladas".

Como resultado, o uso do amianto está crescendo rapidamente em países como China e Índia, o que leva especialistas em saúde a alertar sobre futuras epidemias de câncer de pulmão, asbestose e mesotelioma, um câncer maligno altamente agressivo que costuma atacar o revestimento dos pulmões.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) informa que 125 milhões de pessoas continuam a encontrar amianto em seus locais de trabalho, e a OIT (Organização Internacional do Trabalho) estima que 100 mil trabalhadores morram a cada ano de doenças relacionadas ao amianto.

Outros milhares perecem de exposição ambiental ao material. James Leigh, diretor do Centro de Saúde Ocupacional e Ambiental na Escola de Saúde Pública de Sydney, Austrália, previu que haverá um total de cinco milhões a 10 milhões de mortes causadas por cânceres relacionados ao amianto até 2030, uma estimativa que ele considera como "conservadora".

"É totalmente antiético", disse Jukka Takala, diretor da Agência de Segurança e Saúde no Trabalho e antigo dirigente da OIT, sobre a campanha de promoção do uso do amianto. "É quase um crime. O amianto não pode ser usado de maneira segura. É claramente carcinógeno. Mata pessoas".

De fato, um painel de 27 especialistas formado pela Agência Internacional de Pesquisa do Câncer, da OMS, reportou no ano passado que "as provas epidemiológicas vêm mostrando associação cada vez maior entre todas as formas de amianto e risco ampliado de câncer de pulmão e mesotelioma".


Editoria de Arte/Folhapress

PESQUISAS

A indústria do amianto, no entanto, sinalizou que lutará para proteger as vendas da fibra bruta do minério e dos produtos com ele fabricados, como telhas e encanamentos produzidos com cimento de amianto. Entre seus aliados estão pesquisadores cujos trabalhos são bancados pelo setor e que produziram centenas de artigos, aceitos por publicações científicas, para alegar que o crisotilo --o amianto branco, única forma do minério à venda atualmente-- é muitíssimo menos perigoso que o amianto marrom ou o azul.

A Rússia é o maior produtor mundial de crisotilo, e a China o maior consumidor do minério.

"Trata-se de um material extremamente valioso", argumenta J. Corbett McDonald, professor emérito de epidemiologia na Universidade McGill, em Montreal, que começou a estudar trabalhadores expostos ao crisotilo nos anos 60, com apoio da Associação Mineradora de Crisotilo de Quebec. "É muito barato. Se tentarem reconstruir o Haiti sem usar amianto, o custo será muito maior. Quaisquer efeitos [do crisotilo] sobre a saúde serão triviais, se é que existirão".

A visão otimista de McDonald sobre o crisotilo pressupõe que os empregadores forneçam controles de poeira, ventilação e equipamentos de proteção apropriados para os trabalhadores. Os especialistas em saúde pública afirmam que essas medidas são incomuns nos países em desenvolvimento. "Quem quer que fale sobre uso controlado de asbestos é ou mentiroso ou tolo", afirma Barry Castleman, consultor ambiental da região de Washington que assessora a OMS quanto aos problemas do amianto.

CANADÁ

Resistente ao calor e ao fogo, forte e barato, o amianto --um metal fibroso de ocorrência natural-- no passado era considerado como um material de construção de propriedades mágicas, Por décadas, os países industrializados, dos Estados Unidos à Austrália, o empregaram para incontáveis produtos, entre os quais encanamentos e isolamento para teto, materiais de construção naval, sapatas para freios, tijolos e pisos.

No começo do século 20, começaram a surgir informações sobre os danos que o material podia causar aos pulmões. Pelo final do século, milhões de pessoas estavam doentes ou haviam morrido por exposição a amianto, e bilhões de dólares em indenizações haviam sido pagas aos queixosos. Do total de amianto utilizado, 95% provém do crisotilo, agora proibido ou de uso severamente restrito em pelo menos 51 países.

Essa história sórdida, porém, não bastou para deter a ação do lobby do amianto, liderado há muito tempo pelo Canadá. O governo federal canadense e o governo da província de Quebec, onde o crisotilo é minerado há décadas, doaram 35 milhões de dólares canadenses ao Chrysotile Institute, anteriormente conhecido como Asbestos Institute.

O Canadá não emprega muito amianto em seu território, mas exportou 153 mil toneladas do minério em 2009; mais de metade desse total foi enviado à Índia. As autoridades canadenses lutaram para impedir que o crisotilo fosse incluído na lista do Anexo 3 da Convenção de Roterdã, um tratado que requer que exportadores de substâncias tóxicas usem rótulos claros e alertem os importadores quanto a quaisquer restrições ou proibições.

A despeito da crescente pressão por parte de autoridades de saúde pública de todo o mundo, que desejam a suspensão das exportações de amianto canadense, as autoridades do país continuam a defender o setor. "Desde 1979, o governo do Canadá vem promovendo o uso seguro e controlado do crisotilo, e nossa posição continua a mesma", afirmou Christian Paradis, ministro do Meio Ambiente no governo conservador do Canadá e antigo presidente da Câmara do Comércio e Indústria do Amianto, em comunicado por escrito ao ICIJ.

Amir Attaran, professor associado de direito e medicina na Universidade de Ottawa, classifica a posição do governo como inaceitável. "Fica absolutamente claro que [o primeiro-ministro] Stephen Harper e seu governo aceitaram a realidade de que o curso atual de ação causa mortes, e consideram o fato tolerável", diz Attaran.

Clement Godbout, presidente do Chrysotile Institute, insiste em que a mensagem de sua organização vem sendo mal interpretada. "Dizemos que o crisotilo é um produto com risco potencial, e que é preciso controlar esse risco. Não é algo que se deva adicionar ao café a cada manhã".

O instituto é uma central de distribuição de informações, enfatiza Godbout, e não uma agência internacional de policiamento. "Não temos o poder de interferir em quaisquer países, porque eles têm seus poderes, sua soberania", diz. Godbout se declarou convencido de que as grandes fábricas de cimento feito de amianto, na Índia, têm bons procedimentos de controle de poeira e de vigilância médica, ainda que reconheça que possa haver operações menores "nas quais as regras não são seguidas rigorosamente. Mas isso não representa um retrato fiel do setor. Se alguém dirige seu carro a 300 km/h em uma rodovia dos Estados Unidos, não quer dizer que todo mundo mais faça a mesma coisa".

ORGANIZAÇÕES IRMÃS

O Chrysotile Institute oferece o que descreve como "assistência técnica e financeira" a uma dúzia de organizações irmãs em todo o mundo. Essas organizações, por sua vez, tentam influenciar a pesquisa científica e a política em seus países e regiões.

Considere a situação do México, que importa do Canadá a maior parte de seu amianto. A promoção do uso do crisotilo é a tarefa de Luis Cejudo Alva, que comanda o IMFI (Instituto Mexicano de Fibro Industrias) há 40 anos. Cejudo declara manter contato regular com o Chrysotile Institute e com organizações relacionadas na Rússia e Brasil, e faz palestras no México e no exterior sobre o uso prudente do crisotilo.

Guadalupe Aguilar Madrid, médica e pesquisadora do Instituto de Seguro Social do governo federal mexicano, diz que o IMFI exerce grande influência sobre as regras trabalhistas e ambientais mexicanas, que continuam a ser frouxas. O país está à beira de uma epidemia de mesotelioma e outras doenças relacionadas ao amianto que poderia custar 5.000 vidas ao ano, diz a médica.

No Brasil, um promotor de Justiça quer dissolver o Instituto Brasileiro do Crisotila, que se descreve como grupo de interesse público e opera com isenção tributária. Em petição judicial, o promotor acusa o instituto de servir como mal disfarçado agente de vendas para a indústria brasileira do amianto. O instituto nega a alegação, afirmando "garantir a saúde e a segurança dos trabalhadores e usuários".

Na Índia, onde o mercado do amianto vem crescendo em 25% ao ano, a poderosa Asbestos Cement Products Manufacturers Association desfruta de estreito relacionamento com os políticos e recebeu US$ 50 milhões das empresas do setor desde 1985, de acordo com fontes do governo. Uma das especialidades da organização são "editoriais publicitários" --falsos artigos noticiosos que louvam a segurança e o valor dos produtos de amianto. Um anúncio veiculado no jornal "Times of India" em dezembro é típico. Alegava, entre outras coisas, que o flagelo do câncer causado pelo amianto no Ocidente havia surgido em um "período de ignorância", quando a manipulação pouco cautelosa de materiais de isolamento feitos de amianto resultou em exposição excessiva. Esse tipo de exposição já não acontece, afirmava o anúncio.

PATROCINADOS

O argumento do lobby do amianto depende em larga medida de cientistas que caracterizam o amianto branco como relativamente benigno. Pesquisas sobre o crisotilo financiadas pelo setor começaram a ser conduzidas de maneira mais efetiva a partir da metade dos anos 60, quando estudos que comprovavam os efeitos nocivos do amianto atraíram atenção indesejada para as então prósperas minas de Quebec. Minutas da reunião da Quebec Asbestos Mining Association em novembro de 1965 sugerem que o grupo adotou o setor de tabaco como paradigma: "Foi mencionado que o setor de tabaco havia lançado um programa próprio [de pesquisa] e agora sabe que posição ocupa. A indústria sempre faz bem ao cuidar de seus próprios problemas".

Os estudos se provaram benéficos para um setor que vem sofrendo crescente pressão pela cessação de suas atividades. São vigorosamente contestados por outros cientistas, segundo os quais o crisotilo é claramente capaz de causar mesotelioma e câncer de pulmão.

"Existe base científica legítima para a alegação de que o amianto branco pode ser menos nocivo [que o marrom ou o azul]? Sim", diz Arthur Frank, médico e professor na escola de saúde pública da Universidade Drexel, em Filadélfia. "Mas isso significa que seja seguro? Não".

Esta história é parte de uma investigação conjunta conduzida pelo ICIJ e pela BBC News. Colaboraram ANA AVILA, na Cidade do México; DAN ETTINGER, em Washington; MURALI KRISHNAN, em Nova Delhi; ROMAN SHLEYNOV, em Moscou; e MARCELO SOARES, em São Paulo.

TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI


http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/769745-erin-brockovich-brasileira-combate-industria-do-amianto-no-pais.shtml
21/07/2010 - 07h07

"Erin Brockovich" brasileira combate indústria do amianto no país

JIM MORRIS

DA BBC/ICIJ, ESPECIAL PARA A FOLHA

Avançando lentamente em meio ao trânsito paulistano da hora do rush em seu velho Chevrolet Corsa, Fernanda Giannasi brinca sobre a reputação negativa que adquiriu junto ao setor brasileiro de amianto: "Não tenho nome", diz. "Sou chamada de 'aquela mulher'".

Lobby do amianto gasta US$ 100 milhões

Não admira. Giannasi, fiscal do Ministério do Trabalho, há um quarto de século vem tentando impedir que o setor opere. Ela diz que o amianto branco --minerado no Estado de Goiás, centro do país, transformado em cimento e outros produtos para o mercado interno, e exportado com cada vez mais frequência-- custou número incontável de vidas e continuará a fazê-lo a menos que seu uso seja proibido em todo o Brasil. A ideia de que é possível usar o material de forma segura, alega, "é ficção".

Giannasi, 52, conta com muitos admiradores na comunidade mundial da saúde pública. Um médico a define como "a Erin Brockovich brasileira", em referência à ativista californiana que trabalhava em um escritório de advocacia e denunciou um caso de poluição de água pela Pacific Gas & Electric, episódio que inspirou um filme. Mas as pessoas que Giannasi verdadeiramente representa vivem em lugares como Osasco (Grande São Paulo), que abrigou por 54 anos a mais notória fábrica de cimento feito de amianto do Brasil.

A fábrica, controlada pela empresa Eternit, foi inaugurada em 1939 e, pela maior parte da sua existência, vivia repleta de fibras de amiantos, dizem antigos operários. Eliezer João de Souza, 68, trabalhou lá de 1968 a 1981 como cortador de folhas de amianto e telhas corrugadas, em diversos tamanhos. "A poeira estava em toda parte", diz Souza. "Era visível à luz do sol". Os operários não tinham proteção respiratória até 1977, quando receberam máscaras baratas de papel, diz Souza, que em 2000 teve pequenos tumores removidos de sua pleura, a membrana fina que recobre os pulmões e reveste a cavidade peitoral. Em dado momento, "eles convocaram os operários e tiraram radiografias de todos, mas nunca nos mostraram os resultados", acrescenta. "Foi sempre um jogo de mentiras".

João Batista Momi, 81, trabalhou na fábrica por 32 anos --"era suja o tempo todo", diz--, e sofre de asbestose. Processou o antigo empregador em 1998 e venceu mas, devido a um recurso da empresa que continua à espera de julgamento no Supremo Tribunal Federal, ainda não recebeu qualquer indenização. José Antonio Domingues, 71, teve seu pulmão direito removido devido a um câncer em 2008, 17 anos depois que se demitiu da fábrica na qual havia trabalhado por 15 anos. "O pulmão estava todo preto por dentro", diz. "Estou feliz por ainda estar vivo".


Editoria de Arte/Folhapress

GRANDE EXPORTADOR

Os três homens pertencem à Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto), um dos 70 grupos de vítimas formados em todo o mundo, em geral nas duas últimas décadas, à medida que o uso da fibra de amianto se expandiu aos países de rápido crescimento e seus perigos se tornaram mais conhecidos. No passado extensamente usado nos Estados Unidos e Europa, como material de construção e isolamento, o amianto agora está proibido na União Europeia e tem emprego limitado a apenas alguns produtos, como revestimentos de freios automobilísticos, nos Estados Unidos. Cinquenta e dois países proibiram ou restringiram severamente o uso desse mineral fibroso, por muito tempo apreciado devido à sua resistência ao calor e fogo.

Fomentado por uma agressiva campanha setorial, no entanto, o uso da fibra de amianto cresceu de maneira considerável nos países em desenvolvimento, especialmente na China, Índia e Brasil. Com a vida nova que o produto ganhou em mercados emergentes, o número total de mortes causadas pelo amianto pode atingir os 10 milhões de vítimas até 2030, dizem especialistas.

Grande número dessas mortes acontecerá no Brasil, hoje o terceiro maior produtor mundial de amianto. O Brasil é também o terceiro maior exportador mundial do mineral, e vende o produto principalmente na Ásia e a países como Colômbia e México. E se tornou o quinto maior usuário mundial de amianto, consumindo 94 mil toneladas em 2007, mais de 50 vezes o volume do material usado nos Estados Unidos naquele ano.

O setor brasileiro de amianto alega gerar R$ 2,5 bilhões para a economia do país a cada ano. As 11 empresas que mineram amianto e fabricam produtos que contém amianto no Brasil tem 3.500 mil empregados diretos mas dizem responder por 200 mil empregos, se considerados os postos de trabalho correlatos criados no setor de construção, vendas e outros.

O cerne do setor é o Instituto Brasileiro do Crisotila. "Crisotila" é o nome do amianto branco, a única forma usada hoje. Dados públicos demonstram que o instituto, sediado em Goiás, recebeu mais de US$ 8 milhões do setor desde 2006, e usou essa verba para promover o uso do amianto em todo o Brasil. Um promotor de Justiça daquele Estado está tentando fechar as portas do instituto, que se descreve como organização de interesse público e opera com isenção de impostos. Em petição judicial, o promotor acusa o instituto de funcionar como uma mal disfarçada ferramenta de vendas para o setor brasileiro de amianto, o qual responde por virtualmente todo o orçamento da organização. Por ter infligido "danos sociais derivados de suas práticas ilegais", o instituto deveria pagar indenização de R$ 1 milhão, bem como uma multa diária de R$ 5.000 caso se mantenha em operação, alega o promotor em sua petição. Em declaração ao ICFJ, um porta-voz do instituto negou as alegações, afirmando que a organização "garante a saúde dos trabalhadores e usuários, a proteção do meio ambiente e [o fornecimento de] informações à sociedade".

"BILL GATES DA SUÍÇA"

Quando a Abrea foi fundada, em 1995, tinha cerca de 470 membros, a maioria dos quais ex-trabalhadores da fábrica da Eternit em Osasco. "Pelo menos 30% deles morreram nos últimos 14 anos", diz Souza, o presidente da organização. Pelo menos 10 dentre eles morreram de mesotelioma, uma forma rara de câncer que frequentemente surge na pleura e está sempre vinculada à exposição a fibra de amianto.

Furiosos quanto ao que acreditam ter sido um sério caso de conduta empresarial indevida, Souza e seus companheiros aposentados vêm acompanhando um julgamento criminal em Turim, Itália, no qual dois antigos acionistas da Eternit suíça --entre os quais Stephan Schmidheiny, ex-presidente do conselho do grupo e filantropo descrito como "o Bill Gates da Suíça" pela revista "Forbes", devido ao bilhão de dólares em doações que fez para ajudar empresários de baixa renda na América Latina-- respondem a acusações de terem causado um desastre ambiental.

As acusações se relacionam às condições em uma fábrica de cimento produzido com amianto na cidade italiana de Casale Monferrato; cerca de 2.000 pessoas que trabalharam na fábrica ou viviam em suas imediações morreram de doenças relacionadas ao amianto.

"Considerando que a exposição perigosa acontecida na Itália foi reproduzida em outros locais, deve haver centenas de milhares de pessoas que morreram por exposição aos produtos de amianto da empresa", diz Laurie Kazan-Allen, coordenadora do International Ban Asbestos Secretariat, em Londres.

Em e-mail, o porta-voz Peter Schürmann escreveu que Schmidheiny "não consegue compreender por que deveria caber a ele, como acusado principal, a responsabilidade por todos os 80 anos de história da Eternit na Itália". O grupo Eternit suíço foi o maior acionista da fábrica italiana apenas em seus 10 anos finais de operação, escreveu Schürmann, e implementou "medidas de segurança no trabalho que atendiam aos mais elevados padrões".

De acordo com Schürmann, o grupo suíço vendeu suas ações na fábrica de Osasco mais de 25 anos atrás. Ele se recusou a comentar sobre as alegações dos ex-trabalhadores, mas acrescentou que "Stephan Schmidheiny trabalhou como trainee na Eternit brasileira, sob as mesmas condições de trabalho que os demais funcionários".

Giannasi não tem muita simpatia para com Schmidheiny, que alega em seu site pessoal ter sido "perigosamente exposto a fibras de amianto durante meu período de treinamento no Brasil". Sua reprovação quanto à maneira pela qual a fábrica de Osasco era dirigida a levou a co-fundar a Abrea. Ela continua a comparecer às reuniões mensais, e mantém os membros doentes da organização e seus familiares a par dos acontecimentos na guerra do amianto. Eles parecem apreciar suas histórias.

Giannasi reteve embarques de amianto em portos e rodovias, e realizou inspeções de surpresa em empresas suspeitas de vender ilegalmente produtos que contêm amianto. Recebeu ameaças de morte e foi processada pela indústria do amianto. Por algum tempo, se viu exilada a um pequeno escritório no Ministério do Trabalho, sem computador, telefone ou funções. Acostumou-se a desafiar seus superiores hierárquicos, que a consideram como provocadora e interessada apenas em manchetes; suas atividades de fiscalização foram restringidas apenas ao Estado de São Paulo, embora seja funcionária federal. "A cada dia há um novo problema", diz Giannasi.

A indústria brasileira do amianto provou ser um oponente ferrenho. A Sama, que opera a mina de Cana Brava, em Goiás, e a Eternit S. A., que opera quatro fábricas que produzem telhas e outros produtos, de amianto ou não, juntas doaram mais de R$ 2 milhões a candidatos a cargos eletivos federais, estaduais e municipais, entre 2002 e 2008, de acordo com os registros públicos. "Eles têm muitos tentáculos, como um polvo", diz Giannasi.

Apenas quatro dos 26 Estados brasileiros, entre os quais São Paulo, adotaram leis que proíbem o uso do amianto. Perguntado sobre a campanha de Giannasi, um dirigente da Sama falou apenas sobre o processo de produção da empresa, afirmando que o nível de fibras de amianto presente na mina é "20 vezes inferior ao que a lei requer" e que "os operários não têm contato físico com o mineral". Uma porta-voz da Eternit S. A., que não tem conexão com a Eternit suíça, se recusou a comentar.

GIANNASI X INDÚSTRIA

Criada durante a ditadura militar de direita brasileira, nos anos 60, Giannasi recorda ouvir os gritos dos acusados de subversão que estavam sendo torturados em um quartel do exército próximo à casa de sua família, na região nordeste do Estado de São Paulo. A repressão que definiu a era e as inclinações progressistas de seus pais, ambos professores do ensino público, conduziram Giannasi ao papel que viria a assumir como defensora dos trabalhadores portadores de doenças relacionadas à fibra de amianto, que ela compara a vítimas de genocídio.

Giannasi fez sua primeira visita à fábrica da Eternit em Osasco em 1986, e considerou que a higiene do local era precária e os registros médicos dos funcionários, inadequados. Por volta de 1991, ela já havia inspecionado centenas de outras fábricas empoeiradas e concluído que o uso controlado do amianto era impossível. Foi transferida de São Paulo a Osasco --"um posto para criadores de casos"--, onde imediatamente criou caso com a Eternit, impedindo a demolição da fábrica da empresa, em 1995, até que houvesse um plano em vigor para a disposição dos resíduos deixados por décadas de trabalho com amianto.

Por volta de 1998, ela se havia tornado uma ativista conhecida em todo o país, e costumava se referir ao setor de amianto como "uma máfia", acusando-o de "chantagear" os trabalhadores doentes ao lhes oferecer quantias modestas em acordos. A Eternit a processou por difamação, mas um juiz encerrou o caso.

Os anos posteriores foram marcados por choques esporádicos com o setor e com seus superiores no ministério, e por decepção com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, antigo dirigente sindical. A produção de amianto caiu no Brasil no começo dos anos 90 e depois voltou a crescer gradualmente até 2002, o ano em que Lula foi eleito. Depois disso, o ritmo de produção se acelerou. Giannasi não hesitou em expressar sua insatisfação, e terminou suspensa de seus deveres de fiscalização por 45 dias. Sua autoridade só foi restaurada depois que ela foi à imprensa, diz. Giannasi parece próxima à exaustão, hoje, dado seu ritmo frenético, insustentável. O objetivo final de seu trabalho --a proibição federal ao uso de amianto-- parece inatingível.

Ainda assim, "a situação seria muito pior se ela não estivesse trabalhando nisso", diz Eduardo Algranti, diretor da divisão de medicina da Fundacentro, uma organização paulista de assistência a trabalhadores doentes. "Ela é muito rígida, muito coerente em suas ações. É absolutamente dedicada".

BOMBA-RELÓGIO

O médico Ubiratan de Paula Santos, especialista em medicina pulmonar na Escola de Medicina da USP, diz que trata de cerca de 20 casos de mesotelioma ao ano, número que vem subindo lentamente. A maioria de seus pacientes, se bem que não todos, são trabalhadores do setor de amianto. Uma mulher desenvolveu um mesotelioma depois de lixar e pintar seu telhado, feito com amianto, a cada Natal, por um período de alguns anos. "Não importa o quanto a exposição seja intensa", diz Paula Santos. "Algumas pessoas sofreram exposição por apenas um mês". Em média, as vítimas sobrevivem por 12 a 16 meses depois do diagnóstico, sofrendo dor extrema e o terrível conhecimento de que sua doença é incurável. "Sabem que estão com o pescoço na guilhotina", diz o médico.

É em nome dessas pessoas que Giannasi persiste. No final do ano passado, ela permitiu que um repórter do ICIJ acompanhasse sua inspeção de surpresa, em companhia do colega Antonio Carlos Rodrigues Pimentel, a duas lojas que supostamente estariam vendendo produtos contendo amianto em São Paulo, em violação das leis estaduais. Na primeira das lojas, na zona norte da cidade, ela e Pimentel foram recebidos por um homem barrigudo, de cara amarrada, que tentou impedir que entrassem. Giannasi exibiu seu distintivo governamental e exigiu que a porta fosse aberta. Assim que entraram, ela e Pimentel rapidamente encontraram gaxetas de amianto no estoque da loja. Inicialmente hostil, o proprietário da loja logo se tornou deferente quando Giannasi ameaçou fechar o estabelecimento a menos que todas as peças contendo o mineral tóxico fossem jogadas no lixo. O proprietário prometeu cumprir a instrução e ordenou aos seus funcionários que começassem a recolher os itens proibidos. "Todos seguem o mesmo roteiro, dizendo que não usam amianto, que jogaram o estoque fora", diz Giannasi. "Mas sempre encontramos alguma coisa".

Quatro dias antes, Giannasi e Pimentel, em companhia de Kazan-Allen, a ativista que combate o uso das fibras de amianto, haviam viajado extraoficialmente a Poços de Caldas (MG). A Alcoa, gigante norte-americana do alumínio que opera uma usina lá desde 1970, havia acabado de se tornar alvo do primeiro processo judicial por mesotelioma no Brasil, aberto por um antigo funcionário de 58 anos de idade. O caso causou certo escândalo na cidade, que depende fortemente da companhia, mas Giannasi o viu como oportunidade de levar sua mensagem a uma nova audiência em Minas Gerais, Estado no qual está proibida de exercer atividades como fiscal.

Depois de contatar a mídia local, ela foi à prefeitura e fez sua apresentação usual, com fervor evangélico, exibindo imagens de vítimas de câncer moribundas, distribuindo panfletos sobre os perigos do amianto e conduzindo uma entrevista coletiva improvisada, na saída. Kazan-Allen foi ao microfone e alertou que "o Brasil está no início de uma curva muito grande. Uma bomba-relógio cancerígena está a ponto de detonar".

Na mesma noite, Giannasi visitou Dante Untura, o antigo funcionário da Alcoa, na casa dele.

Untura foi membro da equipe de manutenção da fábrica, que produz pó e lingotes de alumínio, e outros itens, de 1970 a 1987. Cortava e perfurava placas de Marinite, um produto de isolamento feito de amianto fabricado nos Estados Unidos pela Johns Manville. "Não usávamos máscaras", diz Untura. Ele recebeu um diagnóstico de mesotelioma em agosto de 2009; depois disso, diz, "tudo mudou. Perdi a vida de vista. Não há mais cores. Tudo é cinzento".

Naquela noite quente da metade de novembro, Untura não parecia especialmente doente e nem estar sofrendo dores. Sua mulher e sua filha adotiva serviram café e um bolo, e se esforçavam ao máximo para fingir que nada havia de errado. Untura só demonstrou emoção ao discutir sua família; foi por eles, afirmou, que processou a Alcoa no Brasil, e planejava fazer o mesmo em um tribunal norte-americano.

O processo norte-americano foi aberto em 20 de janeiro. Untura morreu 17 dias mais tarde. A Alcoa se recusou a comentar o caso.

Esta história é parte de uma investigação conjunta conduzida pelo International Consortium of Investigative Journalists e pela BBC News. Colaborou MARCELO SOARES, em São Paulo.

TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI


http://www1.folha.uol.com.br/bbc/770103-amianto-pode-matar-mais-de-1-milhao-ate-2030.shtml
21/07/2010 - 08h04

Amianto pode matar mais de 1 milhão até 2030

da BBC Brasil

Especialistas em saúde alertam para um grande aumento no número de mortes nas próximas duas décadas devido ao uso do amianto pela indústria da construção civil, sobretudo nos países em desenvolvimento.

Uma investigação conjunta da BBC e do Consórcio de Jornalistas Investigativos revelou que mais de 1 milhão de pessoas podem morrer até 2030 devido a doenças ligadas à substância.

Com um consumo de amianto 50 vezes maior do que nos Estados Unidos, o Brasil é o quinto maior consumidor do produto em uma lista liderada por China, Índia e Rússia.

O amianto é uma fibra natural presente em minas. A substância, que é barata e resistente ao calor e ao fogo, é misturada ao cimento para construção de telhas e pisos.

No entanto, o amianto, que é proibido ou de uso restrito em 52 países, solta fragmentos microscópicos no ar que podem provocar diversas doenças pulmonares quando inaladas, inclusive alguns tipos de câncer.

AMIANTO BRANCO

A investigação conjunta do Consórcio de Jornalistas Investigativos e da BBC revelou que a produção de amianto continua na ordem dos dois milhões de toneladas.

A indústria do amianto ainda movimenta bilhões de dólares, sobretudo com exportações para países em desenvolvimento, onde as leis de proteção e a fiscalização são mais brandas.

Apesar da proibição e restrição ao uso, uma variação da substância conhecida como amianto branco é produzida e exportada para diversos países.

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), mesmo o amianto branco pode provocar câncer.

Alguns cientistas temem que a disseminação do amianto branco possa prolongar uma epidemia de doenças relacionadas à substância.

"Minha visão pessoal é de que os riscos são extremamente altos. Eles são tão altos quanto qualquer outra substância cancerígena que vimos, com exceção, talvez, do cigarro", afirma Vincent Cogliano, cientista da Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer da OMS.

Segundo a OMS, 125 milhões de pessoas convivem com amianto no trabalho. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 100 mil trabalhadores morram por ano devido a doenças relacionadas ao amianto.

Nos Estados Unidos, a indústria da construção civil não usa mais nenhum tipo de amianto. No entanto, o número de mortes devido à substância está chegando ao ápice, devido ao longo período em que a doença ainda pode se manifestar.

No México, mais de 2 mil empresas usam o amianto em diversos produtos, como freios, aquecedores, tetos, canos e cabos. Mais de 8 mil trabalhadores têm contato direto com a substância.

DOENÇA

O Canadá é um dos maiores produtores mundiais de amianto branco e exporta o produto, mas proíbe seu uso no país.

Na província de Quebec, Bernard Coulombe, que é proprietário de uma mina, afirma que o amianto branco exportado por ele é vendido "exclusivamente para consumidores finais que possuem os mesmos padrões de higiene industrial do Canadá". Ele afirma que sua indústria possui amparo legal para exportar o produto.

Não muito longe dali, a pintora amadora Janice Tomkins luta contra mesothelioma, uma doença rara ligada ao amianto. Ela acredita ter contraído a doença há vários anos devido à exposição ao amianto azul e marrom, variações hoje proibidas internacionalmente.

Ela luta para impedir que o governo do Quebec libere um financiamento de US$ 56 milhões para que a mina próxima a sua casa possa expandir a produção, de olho em mercados emergentes como a Índia.

domingo, 18 de julho de 2010

http://consciencia.blog.br/2010/07/conscientizacao-ambientalista-animalista-reacoes-furiosas-paradigmas-de-pensamento-preconceitos.html

Conscientização ambientalista e animalista: reações furiosas, paradigmas de pensamento e preconceitos

Postado em 16/07/2010 à/s 18:07

Algo muito visto hoje em dia é a rejeição ofensiva aos ideais do ambientalismo e do abolicionismo animal. Muita gente, mesmo algumas pessoas que se dizem politizadas e ávidas por um mundo melhor, quando se deparam com um debate sobre direitos animais e a interrupção do modelo tradicional insustentável de desenvolvimento econômico num blog ou fórum de debates públicos, costuma reagir com desdém e até grosseria aos argumentos apresentados. Tentarei abaixo descrever melhor minha experiência recente convivendo com esse comportamento e especular por que ele acontece.

Tenho visto, em diversos debates lançados por mim ou por outros defensores ambientalistas ou animalistas, que as reações mais frequentes vão do desdém raivoso (“Vai arrumar o que fazer, vai arrumar mulher!”, “De novo esses ecochatos?!”, “Esses vegans são uns pentelhos mesmo...”, “Quanta frescura, quanta ecochatice!”, “por que você não experimenta viver sem remédios?” etc.) à contra-argumentação ofensiva, na qual uma troca de argumentações até acontece, mas o lado receptor termina descambando no baixo nível, com agressividade e ataques ad hominem. Isso sem falar no clássico “Enquanto crianças estão morrendo de fome, você vem falar de animais (ou de mato)?!”

Nos meus debates mais recentes (este artigo é de julho de 2010), em que abordei o desmatamento do estuário onde se localiza o Porto de Suape e a campanha do governo e de organizações científicas em favor do uso de animais em pesquisa, percebi a mesma linha de reações. Ainda houve uma contraparte de pessoas que apoiaram meu discurso e até tentaram defendê-lo para os opostos – bem menor no caso do texto sobre a experimentação animal –, mas terminou prevalecendo a reação raivosa.

Em vez de pessoas desejosas de conhecer a ideia e pensar um pouco melhor se o que pensavam até então não era algo tão óbvio, ou querendo expor contra-argumentos num debate civilizado em que se dissesse, por exemplo, “Veja bem, não é assim como você pensa, porque...”, o que vi foi infelizmente uma demonstração forte de incômodo com o que foi exposto. A ideia exposta, mesmo que não fizesse apologia a qualquer forma de violência, injustiça ou supremacismo – muito pelo contrário, observe-se – nem incidisse em acusações injustas, gerou um furor contagiante, com acusações de “choradeira” e “criticar por criticar”, ironias e outras formas de desdém.

Algumas pessoas opostas, mesmo de forma agressiva, mostraram seus pontos de vista, cuja compilação posso resumir em dois tópicos:
- O progresso é essencial à humanidade, mesmo que seja promovido a qualquer custo, mesmo que destrua todo o verde do mundo. Não há meio termo, mas sim uma dicotomia inviolável: ou se devasta e se polui tudo aquilo que seja “necessário” derrubar e contaminar para salvar os seres humanos da pobreza e do atraso, ou se preserva o verde que resta, fazendo a civilização correr o risco de cair na estagnação ou mesmo na retração tecnológica.
- Os interesses dos seres humanos são supremos no planeta, pelo fato de o ser humano ser a espécie superior e dominante. Mesmo dez mil animais não-humanos, tais como camundongos “de laboratório” ou bois do gado “de corte”, não valem o que uma única pessoa vale. Assim sendo, é perfeitamente justificável infligir sofrimento e morte aos bichos que servem à humanidade (como carne ou como cobaias) para que esta seja poupada de sofrer e não seja privada de suas necessidades.

E alguns expressaram: quem se opusesse a esse pensamento deveria seguir uma vida silvestre numa floresta, afastado de qualquer tecnologia, e recusar qualquer tratamento medicamentoso, mesmo que morresse nessas condições.

Além disso, houve muitas cobranças de que eu mostrasse alternativas prontas – ou disponíveis a curto prazo – e obviamente aprováveis tanto à destruição da vegetação estuarina que rodeia Suape como às experiências em cobaias. Se eu não as mostrasse, meus argumentos não valeriam de nada, seriam vazios, nada além de um inócuo “criticar por criticar”. Ignorou-se (reconheço também que deixei de expor esse detalhe) que já há militantes das causas atuando para trazer, a médio ou longo prazo a despeito das cobranças dos críticos, essas alternativas, e que estas invariavelmente requerem tempo, interesse generalizado, empenho, paciência e, acima de tudo, uma teoria ética pré-existente que justifique tal trabalho material.

A impressão que dá é que a teoria não pode influenciar a realidade e só pode ser gerada e exposta quando existir um precedente material pronto, ignorando-se que a teoria é que justifica a criação do material que, uma vez aplicado, servirá de alternativa ao paradigma destrutivo.

Não condeno ninguém por manifestar tais atitudes nem comento particularmente cada um que as manifestou, até porque não é costume meu falar de pessoas, mas sim de ideias. Mas posso analisar o paradigma social por trás de tudo isso.

Percebe-se que ainda prevalece com força na sociedade o pensamento antropocêntrico e imediatista, pelo qual vale tudo para se garantir o bem-estar dos seres humanos de hoje, em detrimento dos seres não-humanos e mesmo dos interesses das gerações humanas futuras. O que vale são as pessoas de hoje, que vivem agora.

Terminam assim excluídos do círculo moral prevalente os humanos do futuro, que no presente nada mais são do que personagens inexistentes, restritos neste instante à mera imaginação humana e cuja existência futura não é sequer certa, e os animais do presente, que, não tendo concepções racionais de senso moral nem capacidade de verbalizar seus interesses, sentimentos e sofrimentos, são julgados seres inferiores, entes marginais perante as supremacistas vontades humanas e exploráveis em prol do engrandecimento da vida humana atual.

Há uma carência crônica de senso de alteridade, de capacidade ético-moral para se pôr no lugar de outrem – do boi que sente cheiro de sangue e muge alto às portas do matadouro, do camundongo que sibila sofrendo de câncer ou do indivíduo humano que, nascido no século 22, encontra condições ambientais degradadas e hostis demais para permitir uma vida minimamente confortável.

Não se tem o costume de pensar que, em vez de camundongos ou caranguejos, os seres ameaçados e tratados como inferiores poderiam ser (ou melhor, às vezes são) os próprios humanos. O mesmo indivíduo que esculacha “ecochatos” não se põe na pele, por exemplo, de um pescador que, mesmo morando a dezenas de quilômetros de Suape, será alheado de seu ganha-pão pela escassez de peixes no mar de Boa Viagem ou de Candeias, onde pesca. O mesmo que desqualifica com ad hominem o defensor animal contrário à vivissecção não se dá ao trabalho de imaginar que poderia ter nascido como um cão “de laboratório”, preso perpetuamente num canil individual e submetido a experiências tortuosas, em vez de como humano livre.

Além do interesse imediatista e egoísta e da carência de alteridade, é marcante o aprisionamento das ideias das pessoas a dicotomias que não dificilmente se mostram falsas – por exemplo, ou o camundongo ou o ser humano, não havendo possibilidade de ambos saírem vivos e sãos mesmo num futuro próximo; ou o mangue ou o desenvolvimento de Suape, não existindo a alternativa do desenvolvimento sustentável que poupe o manguezal e redefina a posição geográfica das indústrias do futuro. Para se livrar desse pensamento dicotômico, a pessoa exige que sejam apresentadas alternativas prontas para serem aplicadas, ignorando-se, repito, que a teoria é essencial para que haja a criação material das novas opções.

E a grosseria, a reação raivosa, a disposição de atacar em vez de questionar ou debater? Posso atribuí-la ao apego visceral ao modelo de vida vigente, paralelamente aos preconceitos existentes sobre os ambientalistas e defensores dos animais. Acha-se erroneamente que os “ecochatos”, aqueles que denunciam mas não dão alternativas a priori prontas, querem abolir as tecnologias poluentes sem dar uma contrapartida sustentável e ameaçam o progresso econômico em curso, sendo ignorados em seus apelos ao desenvolvimento sustentável.

Da mesma forma, os defensores animais, cada vez mais generalizados pelo lado mais maldoso do senso comum como “vegans” (forma inglesa de “veganos”, usada muitas vezes em tom de menosprezo), são vistos como gente que prefere a vida animal não-humana à humana, ignorando-se que a defesa da libertação animal é pela igualdade moral das espécies sencientes, não pela inversão do desequilíbrio da balança, e também que a argumentação antivivisseccionista leva em conta que é a pressão ativista que irá inspirar alternativas de pesquisa.

Nesse preconceito inclui-se também a rejeição a tudo aquilo que supostamente ameace o status quo de desenvolvimento, “avanço” científico, bem-estar e conforto. Não se pensa que a proposta é mudar o sistema, reformando aos poucos os métodos de desenvolver e pesquisar, mas sim que é acabar com ele e não deixar nada no lugar, o que gera medo e reação viscerais. Pois, afinal, quem traz ideias “idiotas” e “absurdas” tem mais é que ser esculachado e ridicularizado – pensa-se. Poucos conseguem canalizar esses sentimentos de modo a questionar racionalmente a validade dos argumentos ambientalistas e animalistas.

São esses preconceitos e as reações raivosas de muitos leitores que tornam a conscientização um fardo para quem a conduz. Uma vez que faltam às pessoas o sentimento da alteridade e noções básicas de direitos animais e ambientalismo sustentabilista, faz-se necessário que os conscientizadores trabalhem em introduções ou recomendem artigos ou livros que introduzam a esses assuntos.

Que fique claro, todavia, que a reação antipática não deve intimidar quem conscientiza. Houve resistência furiosa em outros momentos da história – por exemplo, à conquista de direitos civis pelas mulheres e à abolição da escravidão humana –, e estamos em um momento semelhante, em que há um mundo melhor no horizonte e este só será conquistado com persistência e cabeça fria.

http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2010/07/18/slavoj-zizek-perfil-do-filosofo-mais-perigoso-do-oeste.jhtm

18/07/2010

Slavoj Zizek: perfil do filósofo mais perigoso do Oeste

Der  Spiegel
Philipp Oehmke

No meio de uma crise do capitalismo, o submundo ocidental está redescobrindo o comunismo. Sua estrela é o filósofo esloveno Slavoj Zizek, que mistura marxismo com cultura pop e psicanálise. Suas aparições são um show de humor para uma vanguarda radical de esquerda.

São 5h de uma manhã de sexta-feira, e Slavoj Zizek está a caminho da Conferência Ideia do Comunismo, viajando de Ljubljana a Berlim via Zurique. Ele acha irritante que Alain Badiou, o maoísta francês, seja responsável pelos comentários de introdução do evento.

E é verdade, ele se pergunta, que Toni – Antonio Negri, ex-simpatizante do grupo terroristas das Brigadas Vermelhas – também estará presente, embora ele sempre esteja se estranhando com Alain? Quando Negri falar, o que será que vai dizer e – acima de tudo – por que ele, Slavoj Zizek, não foi informado?

Mas Zizek não tem tempo a perder pensando sobre esses pequenas irritações. Ele trouxe algumas pilhas de anotações, que agora ele precisa usar para escrever uma apresentação de uma hora e meia durante os dois voos de curta distância que tomará. Um pouco sobre Marx, muito sobre Hegel, algo sobre a “hipótese comunista” de Badiou (que, ele pondera, poderia criticar um pouco) e algo sobre o conceito de Negri de “multitude” (que ele poderia até mesmo criticar duramente).

Ele não consegue encontrar suas anotações. Mas não importa, porque ele tem tantas ideias que estão só esperando para sair. Ele levou uma camiseta extra para amanhã ou depois de amanhã. Está quente em Ljubljana, mesmo a esta hora da manhã. Zizek já está suando. A conferência sobre o comunismo começa dentro de algumas horas.

Os Três Grandes

Os Três Grandes, os grandes pensadores da nova esquerda, falarão no evento, que acontece no Teatro Volksbühne em Berlim num final de semana do final de junho: Antonio Negri, um italiano de quase 80 anos, é um ex-prisioneiro político e autor de “Império”, o livro neomarxista mais conhecido dos últimos dez anos; Alain Badiou, professor de filosofia em Paris, tem pouco mais de 70 anos, é muito abstrato, maoísta e universalista, e está buscando uma nova “hipótese comunista”; e Zizek, psicanalista esloveno de pouco mais de 60 anos ensina filosofia em Ljubljana e é professor-visitante em Londres e Saas Fe, na Suíça, é o “Elvis da Teoria Cultural” (como o chamam num filme). Um de seus oponentes mais ferrenhos uma vez chamou Zizek de “o filósofo mais perigoso do Oeste”. A intenção não era elogiá-lo, e é exatamente por isso que Zizek gosta tanto do apelido.

Os três homens são intelectuais, mas também são astros, como os existencialistas Jean-Paul Sartre, Albert Camus e, mais recentemente, os pós-estruturalistas Michel Foucault, Gilles Deleuze e Jacques Derrida. Mas desde o auge da popularidade dos pós-estruturalistas, quase 20 anos atrás, essa posição ficou desocupada, com a possível exceção de Bernard Henri-Levy, a quem Zizek despreza principalmente por causa de sua tendência de mostrar muitos cabelos no peito.

Foi Negri que reavivou a teoria esquerdista radical há dez anos. O socialismo do Bloco do Leste havia falhado, e o cientista político norte-americano Francis Fukuyama havia proclamado a eterna vitória do capitalismo e, com ela, “o fim da história”. Então veio Negri. Ele era saturado de teoria, mas também era um guerreiro de classe convincente. Ele chegou a ser preso porque as autoridades acreditavam que ele era o cérebro por trás das Brigadas Vermelhas. Michael Hardt, professor de literatura norte-americano, ajudou-o a resumir seus pensamentos em três livros. Eles se tornaram best-selles no mundo todo, o mais famoso deles foi o primeiro, “Império”, uma espécie de nova bíblia de Mao para uma esquerda jovem e descolada, anti-G8.

Zizek, Badiou e Negri se conhecem há anos. Às vezes eles trabalham juntos, mas cada um é mais capaz de prestar atenção ao que os outros estão fazendo, o que estão dizendo ou sobre o que estão escrevendo, mesmo que muito provavelmente não tenham lido os livros uns dos outros. Negri não se isola tanto e é um guerreiro de classes exagerado para os padrões de Zizek e Badiou. Badiou é muito rarefeito para Negri, e Zizek publica tantos livros que nem ele deve ter tempo para ler todos.

A nova “hipótese comunista”

Logo no começo da tarde, Zizek está sentado na primeira fila de um amplo hall do Volksbühne, obrigado a ficar quieto por uma hora. Ele tem muitos talentos, mas ficar parado não é um deles. Perto de sua cadeira está uma sacola de plástico com tudo o que ele precisa durante os três dias de conferência. O salão está cheio, e cerca de aproximadamente mil pessoas estão sentadas nos degraus. São jovens, a maioria com menos de 30 anos, um panóptico das subculturas de esquerda. Algunas estão vestidos como Brecht, outros como Sartre, e muitos parecem que estiveram mochilando pelo sul da Ásia e prontos para começar a fazer malabarismo com fogo. Todos usam fones de ouvido, para poderem ouvir as traduções simultâneas da apresentação de Badiou em francês, a de Negri em italiano e a de Zizek e outros palestrantes num inglês com um sotaque muito forte. Zizek, que é fluente em seis línguas, incluindo alemão, é o único que não usa fones de ouvido.

A maioria das apresentações já são difíceis de compreender em suas línguas originais. Traduzidas, elas ficam praticamente ininteligíveis. Mas o ponto não é fornecer respostas fáceis ou concretas, que os sindicatos ou o Partido de Esquerda fornecem prontamente. A conferência também não é para olhar para o passado histórico, para o terrível século 20, com as catástrofes que aconteceram em nome do comunismo e dos mais de 30 milhões de pessoas que foram assassinadas sob os governos de Stalin e Pol Pot; os campos de trabalho, a polícia estatal. Essa conferência é sobre teoria. É sobre uma nova “hipótese comunista”, como diz Badiou, sobre universalismo, o sujeito na história, eventos de verdade, Hegel e psicanálise segundo Jacques Lacan.

A palavra “comunismo” está impressa em letras grandes no alto do teatro da Praça Rosa Luxemburgo. Mas o que todas essas pessoas estão fazendo ali? Do lado de fora, nas ruas de Berlim o verão chegou finalmente. Os espectadores poderiam simplesmente estar bebendo cerveja e assistindo um dos jogos da Copa do Mundo transmitido em telões.

Filósofos e astros-pop

Cerca de 20 anos depois do final hesitante do experimento comunista, e exatamente 21 meses depois do quase colapso do status quo capitalista, existe aparentemente um novo anseio – não por uma política de esquerda, mas por uma teoria de esquerda. À medida que os problemas práticos se tornam mais prementes, nossa democracia se mostra cansada, o euro parece fadado ao fracasso, a coalizão de governo da Alemanha se torna cada vez mais ineficaz, e os bancos cada vez mais difíceis de administrar, a busca da verdade e a prática da filosofia se tornam cada vez mais abstratas.

A filosofia não move mais a sociedade como fazia até o final dos anos 60, escreve Karl Heinz Bohrer na edição atual da revista Merkur. Mas o pensamento mudou nas últimas décadas. A filosofia se tornou crítica cultura, mais ensaística, mais volátil, mais anedótica e mais literária – na linha de filósofos franceses como Deleuze, Foucault e Roland Barthes, e de pessoas como Peter Sloterdijk.

Esse tipo de teoria também precisa ser consistentemente sedutora. Ela precisa entreter, provocar e ser facilmente citada sob a forma de frases de efeito e fisicamente palpável como o rock. Zizek faz tudo isso. Pode-se dizer que ele reinventou a profissão. Alguns diriam que ele violentou a profissão.

Badiou faz a introdução e Zizek, sentado na primeira fileira, mal consegue permanecer sentado. Ele mexe os lábios como se ele mesmo estivesse falando. Badiou é um homem mais velho, afável e bem vestido. Ele não parece um inimigo do Estado, mas mais um aposentado boa gente da Alemanha Oriental. Negri, que também está no palco, parece o oposto complementar de Badiou. Ele parece abatido, como se tivesse acabado de sair da prisão agora e não há nove anos. Badiou cita Mao em sua introdução: “Seja decidido, não tema o sacrifício e ultrapasse qualquer dificuldade para chegar à vitória.”

E no momento em que o público parece embaraçado, Zizek interrompe Badiou para citar Samuel Beckett: “Tente mais uma vez. Fracasse mais uma vez. Fracasse melhor.” Ele ri e olha em volta para ver se mais pessoas também estão rindo.

Ele é capaz de falar mais rápido do que pensa. Parece uma britadeira. Ele publicou mais de 50 livros, que foram traduzidos para mais de 20 línguas. Seu livro mais recente, “Vivendo no Fim dos Tempos”, é um tratado de 400 páginas sobre a morte da democracia liberal.

Ele dá mais de 200 palestras por ano e têm cadeiras de professor-visitante em importantes universidades norte-americanas. Recentemente ele falou para um público de 2 mil pessoas em Buenos Aires. Ele é o tema de dois documentários, e em outro ele interpreta os filmes do ponto de vista psicanalítico e anda de barco a motor no mar. Existem camisetas de Zizek e discos de Zizek, e há um clube Zizek e um jornal internacional Zizek.

“Ele terá que ser enviado para o gulag”

Seu repertório é uma mistura da psicanálise de Lacan e da filosofia idealista de Hegel – de análise de cinema, crítica à democracia, capitalismo e ideologia, e ocasionalmente de marxismo autoritário combinado com observações do cotidiano. Ele explica a essência ontológica dos alemães, franceses e norte-americanos com base em seus hábitos no banheiro e a relação resultante com a matéria fecal, e inicialmente reage às críticas com um alegre “Vá se foder!” - pronunciado com duras consoantes eslavas. Aos colegas que ele admira, mas que defendem teorias contrárias à sua, ele diz que eles deveriam se preparar para ir para o Gulag quando ele, Zizeg, chegar ao poder. Ele gosta do estremecimento que a palavra gulag evoca.

“Veja meu amigo Peter, por exemplo, o desgraçado do Sloterdijk. Gosto muito dele, mas obviamente ele terá que ser enviado para o gulag. Ele ficará numa posição um pouco melhor lá. Talvez ele pudesse trabalhar como cozinheiro.”

Pode-se dizer que ele engraçado, principalmente do jeito que Zizek fala, com seu jeito exagerado e enfático. Mas também pode-se pensar nas mais de 30 milhões de pessoas que foram vítimas do terror soviético. Os que acham os comentários de Zizek engraçados poderiam da mesma forma fazer piada sobre campos de concentração.

“Mas sabe o que?”, diz Zizek em resposta a essas críticas. “Os melhores filmes e os mais impressionantes sobre o Holocausto são comédias.”

Dois pôsteres de Stalin

Zizek adora corrigir pontos de vista quando exatamente o oposto é considerado correto. Ele chama isso de observação contraintuitiva. Sua forma favorita de pensamento é o paradoxo. Usando suas habilidades psicanalíticas, ele tenta demonstrar como a democracia liberal manipula as pessoas. Uma de suas famosas observações do cotidiano sobre esse assunto se refere aos botões usados para fechar a porta nos elevadores. Ele descobriu que eles são placebos. As portas não fecham nem um segundo mais rápido se a pessoa aperta o botão, mas elas nem precisam. É suficiente que a pessoa que aperta o botão tenha a ilusão de que é capaz de influenciar alguma coisa. A máquina da ilusão política que chama a si mesma de democracia ocidental funciona exatamente da mesma forma, diz Zizek.

Seus detratores o acusam de lutar contra a democracia liberal e de querer substitui-la pelo marxismo autoritário, até mesmo pelo estalinismo. Eles dizem que ele é particularmente perigoso porque encobre seu totalitarismo com a cultura pop. A capa de seu livro “Em Defesa das Causas Perdidas” mostra uma guilhotina, o símbolo do terror de esquerda decretado pelo alto - “o terror bom”, como Zizek é conhecido por dizer. A editora Suhrkamp retirou passagens da edição alemã do livro que brincavam com o totalitarismo.

Há dois pôsteres de Josef Stalin na parede do apartamento de Zizek num novo prédio do centro de Ljubljana.

“Isso não quer dizer nada! É só uma piada”, diz Zizek.

Ele diz que não tem problemas em tirar os pôsteres de Stalin da parede se eles ofenderem suas visitas. E diz que está cansado de ser caracterizado como um estalinista. Ele foi criticado duramente nas últimas semanas em publicações como a revista norte-americana liberal de tendências esquerdistas “The New Republic”, pela “Merkur” alemã e pelo jornal semanal alemão “Die Ziet”. Seus críticos escrevem que as ideias de Zizek sobre o comunismo ignoram a história e não são suficientemente sérias, e que sua teoria da revolução é completamente fascista. E agora ele foi até mesmo acusado, mais uma vez, de antissemitismo. Até a Suhrkamp resolveu não publicar alguns de seus escritos, argumentando que eles poderia – maliciosamente – ser interpretados como antissemitas. Essas acusações são embaraçosas, mas Zizek sabe que ele não é totalmente inocente. Seu hábito constante de cutucar e questionar é verdadeiramente subversivo, mas às vezes isso o torna extremamente vulnerável. Ele diz que os que o atacam dessa forma normalmente não compreenderam suas ideias.

Para Zizek, a filosofia significa pensar fora das amarras – bem distante da execução prática, em oposição à ciência política baseada na realidade, que deve ter seus limites. Quando os liberais de esquerda norte-americanos o acusam de defender uma ditadura de esquerda, Zizek observa que foi ele, e não seus detratores, que viveram sob o governo de Tito (ex-ditador da Iugoslávia) e, quando era um jovem professor, foi impedido de dar aulas.

O intelectual itinerante

O apartamento de quase 55 metros quadrados de Zizek faz parecer que Tito ainda está no poder. Ele tem três cômodos e mal tem móveis. Um pôster de uma exposição de Mark Rothko fica pendurado na parece acima do sofá com cores da era soviética; fora isso, os móveis se resumem a uma prateleira de DVDs, estantes de livros, montanhas de Legos “Guerra nas Estrelas” suas roupas, que ele guarda nos armários da cozinha. Ele serve chá gelado em canecas da Disney.

Ele mora sozinho, exceto quando seu filho do segundo casamento fica com ele. Ele também tem um filho do segundo casamento. Sua última esposa era uma modelo de lingerie argentina, 30 anos mais nova, filha de um estudante de Lacan que, ironicamente, chama-se Analia.

Zizek usa jeans e camiseta, sandálias azuis do Hotel Adlon em Berlim e meias da classe executiva da Lufthansa. “Não compro mais meias há anos”, diz ele. Ele fica nos melhores hotéis e acabou de voltar de uma viagem para a China e Los Angeles. Ele falou sobre Mao na China e sobre Richard Wagner em Los Angeles. Os chineses o convidaram por causa de seu status como pensador líder do comunismo, mas ele acha que eles não entendem suas teorias.

“Eles traduziram dez livros meus, os idiotas”, diz Zizek. Os chineses traduziram os livros como poesia e não como trabalhos filosóficos e políticos. Os tradutores supostamente nunca ouviram falar de Hegel e não tinham ideia do que estavam de fato traduzindo. Para compensar essas deficiências, eles tentaram tornar suas palavras mais atraentes.

A experiência de encontrar Zizek é inicialmente fascinante para qualquer um (durante a primeira hora), depois frustrante (é impossível dialogar com ele) e, finalmente, catártica (a conversa, eventualmente, chega a um fim). Zizek começa a falar nos primeiros segundos, e no caso dele, falar significa gritar, gesticular, cuspir e xingar. Ele tem um problema de fala conhecido como sigmatismo, e quando pronuncia a letra “s” soa como uma bomba de encher pneu de bicicleta. Ele costuma começar seu discurso com as palavras “Você sabia...”, e pula de tema para tema, como uma máquina de pensar que foi carregada com moedas e daí em diante não para mais de cuspir palavras.

Bateria fraca

Zizek criou um personagem artificial. Suas aparições são performances, algo entre a arte e a comédia. Ele diz que quer se livrar dessas aparições de humor stand-up, e que quer dar uma palestra mais séria em Berlim, principalmente sobre Georg Wilhelm Friedrich Hegel, o tema de seu novo livro. Ele diz que já escreveu 700 páginas. Para uma pessoa normal, levaria dez anos para escrever 700 páginas sobre o homem que provavelmente foi o pensador mais difícil da história da filosofia. Zizek escreveu suas 700 páginas em aviões nos últimos meses.

Algo reconfortante acontece depois de exatamente três horas no tempo de Zizek. De repente sua bateria parece acabar, e a máquina para. Zizek tem diabete. A taxa de açúcar em seu sangue está muito alta, diz ele, ou talvez muito baixa. Os sintomas parecem particularmente severos no momento. Mas Slavoj Zize não seria Slavoj Zizek se descrevesse algo do tipo em termos banais. Em vez disso, ele diz: “Você sabe, minha diabetes se tornou um sistema auto-perpetuante, completamente independente de influências externas! Ela faz o que bem entende. E agora eu preciso ir dormir.”

No caminho para Berlim, Zizek não conseguiu organizar sua fala no avião, como esperava. Enquanto o palestrante que o precedia no Volksbühne, um homem baixinho da Turquia com cabelos e barba longos, ainda está falando, Zizek olha troca de ordem papeis de diversas pilhas, procurando, escrevendo coisas e lendo suas anotações furiosamente. Mechas de cabelo grudam em sua testa. Zizek não apenas sua enquanto fala, mas também enquanto pensa.

É o segundo dia da conferência, e até agora Zizek teve de se contentar em simplesmente fazer perguntas aos palestrantes. Agora, ele ataca diretamente Negri que, no dia anterior, havia acusado ele e Badiou de negligenciar a luta de classes. A teoria de “multitude” de Negri, ou seja, seu conceito de um sujeito revolucionário que vê algo em comum nas diferenças entre os indivíduos, assume que o capitalismo tardio eliminou a si mesmo, e que isso basta como fonte de uma situação revolucionária. Isso é concreto e pragmático demais para Zizet e Badiou. Zizek se arma com o conceito de totalidade de Hegel, com o conceito de verdade de Platão e o conceito de evento de Heidegger. Ele argumenta que ninguém precisa estar fora do Estado para aboli-lo, mas que Negri continua dentro do sistema, e é por isso que sua “multitude” nunca pode começar uma revolução.

“Pensam que sou um idiota”

Negri, franzindo sua testa, reage irritado. Zizek, diz ele, perdeu o sujeito revolucionário, mas sem um sujeito revolucionário não pode haver resistência. Badiou observa o argumento com o rosto de uma velha tartaruga, como se estivesse se perguntando qual dos dois ele gostaria de mandar primeiro para um campo de trabalho. O moderador pergunta a Badiou se ele gostaria de comentar. Badiou dispensa a pergunta com um olhar penetrante e diz que pretende comentar sobre Negri, e talvez sobre Zizek também, no dia seguinte. Parece uma ameaça.

No final da palestra de Zizek, um espectador faz uma pergunta complicada e ininteligível. “Você levantou um ponto interessante”, diz Zizek, e continua a falar sobre Hegel. Sua resposta não tem nada a ver com a pergunta, que por sua vez não tem nada a ver com a palestra. O jogo poderia continuar infinitamente na mesma linha. De repente Zizek empurra o biombo de papelão e interrompe sua palestra sobre Hegel. “Tudo bem. Não importa. Como eu já disse, você levantou um ponto interessante. E a verdade é que eu não tenho resposta. De fato, minha longa resposta foi só uma tentativa de esconder isso!” O público parece agradecido, agora que Zizek disse que tudo bem dizer que você não entendo uma coisa e que não tem a mínima ideia sobre o que alguém está falando. Até Zizek faz isso.

“Sei que as pessoas costumam pensar que sou um idiota”, disse ele, “aquele leninista nostálgico. Mas eu não sou louco. Sou muito mais modesto e muito mais pessimista.”

Por que pessimista? Na verdade, não é nenhum absurdo assumir que o capitalismo e a democracia atingiram um beco sem saída. “Isso é verdade”, diz Zizek, “mas eu acredita que a esquerda está, tragicamente, desprovida de qualquer visão que deva ser levada a sério. Todos esperamos por uma revolução real e autêntica! Mas isso aconteceu longe daqui, em Cuba, Vietnã, China ou Nicarágua. A vantagem disso é que nos permite continuar com nossas carreiras aqui”. Ele termina a conversa dizendo que precisa voltar para seu hotel – vocês sabem, a diabete, diz ele.

“Até amanhã!”

No final da noite de sábado, enquanto o jogo dos EUA e Gana na Copa do Mundo está na prorrogação, Zizek liga novamente. Ele parece animado. “Você assistiu meu embate com Negri hoje? Inacreditável! Do que ele está falando? Que o capitalismo tardio está acabando consigo mesmo?”

Zizek diz que a revolução nunca pode funcionar sem uma autoridade, sem controle, e que esse foi o caso durante a Revolução Francesa e com os jacobinos.

Ele pausa. Zizek raramente faz pausas enquanto fala, porque isso faz com que ele fique consciente de si por um instante.

Finalmente ele diz que essa coisa sobre o Estado e a revolução o fazem lembrar das mulheres. “É impossível viver com elas, mas mais impossível viver sem elas.”

Ele parece prestes a começar a falar sozinho num ímpeto novamente, mas logo que a máquina começa a acelerar ele de repente interrompe a si mesmo.

“Ah, deixe estar. Até amanhã, meu amigo!”

Tradução: Eloise De Vylder


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sexta-feira, 16 de julho de 2010

OAB-RO requer interdição de Casa de detenção: situação calamitosa

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Porto Velho (RO), 14/07/2010 - A Seccional de Rondônia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RO) encaminhou ao corregedor-geral da Justiça de Rondônia, desembargador Paulo Kiyochi Mori, relatório sobre as péssimas condições da Casa de Detenção de Jaru e pedido de interdição judicial da instituição prisional. O presidente da OAB-RO, Hélio Vieira, disse que a subseção de Jaru há tempos vem acompanhando a situação da Casa de Detenção e detectou situação calamitosa. Desde o ano passado foi encaminhado pedido de providências por parte da OAB, sem que houvesse qualquer resposta. "Diante dessa sonolência dos responsáveis, não resta alternativa outra se não o pedido de interdição", diz o presidente da OAB-RO.

Entre os problemas detectados destacam-se a superlotação, o alto grau de insalubridade, a carência assistencial e a falta de profissionais. "O local não dispõe de condições para uma correta individualização de pena e nem separação entre presos provisórios e condenados. É impensável falar em educação, capacitação profissional e ressocialização", ressalta a OAB em seu relatório.

http://www1.direitoshumanos.gov.br/2010/07/14-jul-2010-20-anos-do-eca-presidente-lula-envia-pl-ao-congresso-que-proibe-castigos-fisicos-em-criancas-e-adolescentes

14/JUL/2010 - 20 ANOS DO ECA |

Presidente Lula envia projeto de lei ao Congresso que coíbe castigos físicos em crianças e adolescentes

Data: 2010-07-14

O projeto acrescenta ao ECA, entre outros, o Artigo 17-A que concede às crianças e adolescentes o direito de serem cuidados e educados pelos pais ou responsáveis sem o uso de castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante. O texto define como tratamento cruel ou degradante qualquer tipo de conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou adolescente

14/JUL/2010 - 20 ANOS DO ECA | Presidente Lula envia projeto de  lei ao Congresso que coíbe castigos físicos em crianças e adolescentes

Presidente Lula e o ministro Paulo Vannuchi durante cerimônia de comemoração dos 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente

Em comemoração aos 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou hoje (14), em Brasília (DF), mensagem que encaminha ao Congresso Nacional projeto de lei para coibir a prática de castigos físicos em crianças e adolescentes. Os ministros Paulo Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), Luiz Paulo Barreto, da Justiça, a ministra Márcia Lopes, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Fábio Feitosa, e a subsecretaria nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Carmen Oliveira, entre outros, participaram da solenidade.

O projeto acrescenta ao ECA, entre outros, o Artigo 17-A que concede às crianças e adolescentes o direito de serem cuidados e educados pelos pais ou responsáveis sem o uso de castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante. O texto define como tratamento cruel ou degradante qualquer tipo de conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou adolescente.

As penalidades previstas são advertência, encaminhamento a programas de proteção à família, além de orientação psicológica. Os pais também podem estar sujeitos a obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado.

No discurso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a conversa no lugar dos castigos físicos. “Todo mundo sabe que o tempo da palmatória não educava mais do que o tempo da conversa.”

Ele avaliou ainda que a lei deve causar polêmica. Alguns setores da sociedade poderão afirmar, segundo ele, que o Estado está querendo interferir na educação dos filhos. “Vão dizer, estão querendo impedir que a mãe pegue uma chinelinha havaiana e dê um tapinha na criança, ninguém quer proibir a mãe de ser mãe, queremos apenas dizer: é possível fazer as coisas de forma diferenciada”, afirmou.

O ministro Paulo Vannuchi ressaltou o compromisso do governo, desde 2003, com a agenda social, e disse que o projeto é uma reivindicação histórica da sociedade. “Atende a uma demanda da sociedade civil vinculada à defesa dos direitos humanos, vinculada a defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. E atende às recomendações das Nações Unidas e às recomendações da Organização dos Estados Americanos”, avaliou.

O presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Fábio Feitosa, comemorou o envio do projeto ao Congresso e observou que ainda há desafios a serem enfrentados. “Por exemplo, medidas de proteção para crianças envolvidas no tráfico de drogas e armas e erradicação do trabalho infantil”, disse durante a cerimônia de encaminhamento do projeto de lei.

A iniciativa brasileira de proibir a prática de castigos físicos em crianças e adolescentes segue uma tendência mundial, com apoio do Comitê da Convenção sobre Direitos da Criança das Nações Unidas, para que os países passem a ter legislação própria referente ao tema.

A Suécia foi o primeiro país a adotar, em 1979, uma lei contra o uso de castigos corporais em crianças e adolescentes, seguida pela Áustria, Dinamarca, Noruega e Alemanha. Atualmente 25 países já têm legislação para coibir essa prática. Na América do Sul, apenas o Uruguai e a Venezuela adotaram lei semelhante.

A Lei 8.069, que criou o Estatuto da Criança e do Adolescente, foi sancionada no dia 13 de julho de 1990.

Leia aqui a íntegra do Projeto de Lei.