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21/07/2010 - 07h03
Lobby do amianto gasta US$ 100 milhões no mundo
JIM MORRIS
DA BBC/ICIJ, ESPECIAL PARA A FOLHA
Uma rede mundial de grupos de lobby gastou quase US$ 100 milhões desde a metade dos anos 80 a fim de preservar o mercado internacional do amianto, carcinógeno conhecido que já tirou milhões de vidas e tem seu uso proibido ou restrito em 52 países, constatou o ICIJ (International Consortium of Investigative Journalists) depois de nove meses de investigação.
"Erin Brockovich" brasileira combate o setor
Com apoio de verbas públicas e privadas e a assistência de cientistas e governos simpáticos à causa, os grupos ajudaram a facilitar a venda de dois milhões de toneladas de amianto no ano passado, em sua maior parte a países em desenvolvimento. Ancorada pelo Chrysotile Institute, sediado em Montreal (Canadá), a rede se estende de Nova Delhi (Índia) à Cidade do México, passando pela cidade de Asbest, (Rússia). Sua mensagem é a de que o amianto pode ser usado em segurança sob condições "controladas".
Como resultado, o uso do amianto está crescendo rapidamente em países como China e Índia, o que leva especialistas em saúde a alertar sobre futuras epidemias de câncer de pulmão, asbestose e mesotelioma, um câncer maligno altamente agressivo que costuma atacar o revestimento dos pulmões.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) informa que 125 milhões de pessoas continuam a encontrar amianto em seus locais de trabalho, e a OIT (Organização Internacional do Trabalho) estima que 100 mil trabalhadores morram a cada ano de doenças relacionadas ao amianto.
Outros milhares perecem de exposição ambiental ao material. James Leigh, diretor do Centro de Saúde Ocupacional e Ambiental na Escola de Saúde Pública de Sydney, Austrália, previu que haverá um total de cinco milhões a 10 milhões de mortes causadas por cânceres relacionados ao amianto até 2030, uma estimativa que ele considera como "conservadora".
"É totalmente antiético", disse Jukka Takala, diretor da Agência de Segurança e Saúde no Trabalho e antigo dirigente da OIT, sobre a campanha de promoção do uso do amianto. "É quase um crime. O amianto não pode ser usado de maneira segura. É claramente carcinógeno. Mata pessoas".
De fato, um painel de 27 especialistas formado pela Agência Internacional de Pesquisa do Câncer, da OMS, reportou no ano passado que "as provas epidemiológicas vêm mostrando associação cada vez maior entre todas as formas de amianto e risco ampliado de câncer de pulmão e mesotelioma".
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PESQUISAS
A indústria do amianto, no entanto, sinalizou que lutará para proteger as vendas da fibra bruta do minério e dos produtos com ele fabricados, como telhas e encanamentos produzidos com cimento de amianto. Entre seus aliados estão pesquisadores cujos trabalhos são bancados pelo setor e que produziram centenas de artigos, aceitos por publicações científicas, para alegar que o crisotilo --o amianto branco, única forma do minério à venda atualmente-- é muitíssimo menos perigoso que o amianto marrom ou o azul.
A Rússia é o maior produtor mundial de crisotilo, e a China o maior consumidor do minério.
"Trata-se de um material extremamente valioso", argumenta J. Corbett McDonald, professor emérito de epidemiologia na Universidade McGill, em Montreal, que começou a estudar trabalhadores expostos ao crisotilo nos anos 60, com apoio da Associação Mineradora de Crisotilo de Quebec. "É muito barato. Se tentarem reconstruir o Haiti sem usar amianto, o custo será muito maior. Quaisquer efeitos [do crisotilo] sobre a saúde serão triviais, se é que existirão".
A visão otimista de McDonald sobre o crisotilo pressupõe que os empregadores forneçam controles de poeira, ventilação e equipamentos de proteção apropriados para os trabalhadores. Os especialistas em saúde pública afirmam que essas medidas são incomuns nos países em desenvolvimento. "Quem quer que fale sobre uso controlado de asbestos é ou mentiroso ou tolo", afirma Barry Castleman, consultor ambiental da região de Washington que assessora a OMS quanto aos problemas do amianto.
CANADÁ
Resistente ao calor e ao fogo, forte e barato, o amianto --um metal fibroso de ocorrência natural-- no passado era considerado como um material de construção de propriedades mágicas, Por décadas, os países industrializados, dos Estados Unidos à Austrália, o empregaram para incontáveis produtos, entre os quais encanamentos e isolamento para teto, materiais de construção naval, sapatas para freios, tijolos e pisos.
No começo do século 20, começaram a surgir informações sobre os danos que o material podia causar aos pulmões. Pelo final do século, milhões de pessoas estavam doentes ou haviam morrido por exposição a amianto, e bilhões de dólares em indenizações haviam sido pagas aos queixosos. Do total de amianto utilizado, 95% provém do crisotilo, agora proibido ou de uso severamente restrito em pelo menos 51 países.
Essa história sórdida, porém, não bastou para deter a ação do lobby do amianto, liderado há muito tempo pelo Canadá. O governo federal canadense e o governo da província de Quebec, onde o crisotilo é minerado há décadas, doaram 35 milhões de dólares canadenses ao Chrysotile Institute, anteriormente conhecido como Asbestos Institute.
O Canadá não emprega muito amianto em seu território, mas exportou 153 mil toneladas do minério em 2009; mais de metade desse total foi enviado à Índia. As autoridades canadenses lutaram para impedir que o crisotilo fosse incluído na lista do Anexo 3 da Convenção de Roterdã, um tratado que requer que exportadores de substâncias tóxicas usem rótulos claros e alertem os importadores quanto a quaisquer restrições ou proibições.
A despeito da crescente pressão por parte de autoridades de saúde pública de todo o mundo, que desejam a suspensão das exportações de amianto canadense, as autoridades do país continuam a defender o setor. "Desde 1979, o governo do Canadá vem promovendo o uso seguro e controlado do crisotilo, e nossa posição continua a mesma", afirmou Christian Paradis, ministro do Meio Ambiente no governo conservador do Canadá e antigo presidente da Câmara do Comércio e Indústria do Amianto, em comunicado por escrito ao ICIJ.
Amir Attaran, professor associado de direito e medicina na Universidade de Ottawa, classifica a posição do governo como inaceitável. "Fica absolutamente claro que [o primeiro-ministro] Stephen Harper e seu governo aceitaram a realidade de que o curso atual de ação causa mortes, e consideram o fato tolerável", diz Attaran.
Clement Godbout, presidente do Chrysotile Institute, insiste em que a mensagem de sua organização vem sendo mal interpretada. "Dizemos que o crisotilo é um produto com risco potencial, e que é preciso controlar esse risco. Não é algo que se deva adicionar ao café a cada manhã".
O instituto é uma central de distribuição de informações, enfatiza Godbout, e não uma agência internacional de policiamento. "Não temos o poder de interferir em quaisquer países, porque eles têm seus poderes, sua soberania", diz. Godbout se declarou convencido de que as grandes fábricas de cimento feito de amianto, na Índia, têm bons procedimentos de controle de poeira e de vigilância médica, ainda que reconheça que possa haver operações menores "nas quais as regras não são seguidas rigorosamente. Mas isso não representa um retrato fiel do setor. Se alguém dirige seu carro a 300 km/h em uma rodovia dos Estados Unidos, não quer dizer que todo mundo mais faça a mesma coisa".
ORGANIZAÇÕES IRMÃS
O Chrysotile Institute oferece o que descreve como "assistência técnica e financeira" a uma dúzia de organizações irmãs em todo o mundo. Essas organizações, por sua vez, tentam influenciar a pesquisa científica e a política em seus países e regiões.
Considere a situação do México, que importa do Canadá a maior parte de seu amianto. A promoção do uso do crisotilo é a tarefa de Luis Cejudo Alva, que comanda o IMFI (Instituto Mexicano de Fibro Industrias) há 40 anos. Cejudo declara manter contato regular com o Chrysotile Institute e com organizações relacionadas na Rússia e Brasil, e faz palestras no México e no exterior sobre o uso prudente do crisotilo.
Guadalupe Aguilar Madrid, médica e pesquisadora do Instituto de Seguro Social do governo federal mexicano, diz que o IMFI exerce grande influência sobre as regras trabalhistas e ambientais mexicanas, que continuam a ser frouxas. O país está à beira de uma epidemia de mesotelioma e outras doenças relacionadas ao amianto que poderia custar 5.000 vidas ao ano, diz a médica.
No Brasil, um promotor de Justiça quer dissolver o Instituto Brasileiro do Crisotila, que se descreve como grupo de interesse público e opera com isenção tributária. Em petição judicial, o promotor acusa o instituto de servir como mal disfarçado agente de vendas para a indústria brasileira do amianto. O instituto nega a alegação, afirmando "garantir a saúde e a segurança dos trabalhadores e usuários".
Na Índia, onde o mercado do amianto vem crescendo em 25% ao ano, a poderosa Asbestos Cement Products Manufacturers Association desfruta de estreito relacionamento com os políticos e recebeu US$ 50 milhões das empresas do setor desde 1985, de acordo com fontes do governo. Uma das especialidades da organização são "editoriais publicitários" --falsos artigos noticiosos que louvam a segurança e o valor dos produtos de amianto. Um anúncio veiculado no jornal "Times of India" em dezembro é típico. Alegava, entre outras coisas, que o flagelo do câncer causado pelo amianto no Ocidente havia surgido em um "período de ignorância", quando a manipulação pouco cautelosa de materiais de isolamento feitos de amianto resultou em exposição excessiva. Esse tipo de exposição já não acontece, afirmava o anúncio.
PATROCINADOS
O argumento do lobby do amianto depende em larga medida de cientistas que caracterizam o amianto branco como relativamente benigno. Pesquisas sobre o crisotilo financiadas pelo setor começaram a ser conduzidas de maneira mais efetiva a partir da metade dos anos 60, quando estudos que comprovavam os efeitos nocivos do amianto atraíram atenção indesejada para as então prósperas minas de Quebec. Minutas da reunião da Quebec Asbestos Mining Association em novembro de 1965 sugerem que o grupo adotou o setor de tabaco como paradigma: "Foi mencionado que o setor de tabaco havia lançado um programa próprio [de pesquisa] e agora sabe que posição ocupa. A indústria sempre faz bem ao cuidar de seus próprios problemas".
Os estudos se provaram benéficos para um setor que vem sofrendo crescente pressão pela cessação de suas atividades. São vigorosamente contestados por outros cientistas, segundo os quais o crisotilo é claramente capaz de causar mesotelioma e câncer de pulmão.
"Existe base científica legítima para a alegação de que o amianto branco pode ser menos nocivo [que o marrom ou o azul]? Sim", diz Arthur Frank, médico e professor na escola de saúde pública da Universidade Drexel, em Filadélfia. "Mas isso significa que seja seguro? Não".
Esta história é parte de uma investigação conjunta conduzida pelo ICIJ e pela BBC News. Colaboraram ANA AVILA, na Cidade do México; DAN ETTINGER, em Washington; MURALI KRISHNAN, em Nova Delhi; ROMAN SHLEYNOV, em Moscou; e MARCELO SOARES, em São Paulo.
TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/769745-erin-brockovich-brasileira-combate-industria-do-amianto-no-pais.shtml
21/07/2010 - 07h07
"Erin Brockovich" brasileira combate indústria do amianto no país
JIM MORRIS DA BBC/ICIJ, ESPECIAL PARA A FOLHA
Avançando lentamente em meio ao trânsito paulistano da hora do rush em seu velho Chevrolet Corsa, Fernanda Giannasi brinca sobre a reputação negativa que adquiriu junto ao setor brasileiro de amianto: "Não tenho nome", diz. "Sou chamada de 'aquela mulher'".
Lobby do amianto gasta US$ 100 milhões
Não admira. Giannasi, fiscal do Ministério do Trabalho, há um quarto de século vem tentando impedir que o setor opere. Ela diz que o amianto branco --minerado no Estado de Goiás, centro do país, transformado em cimento e outros produtos para o mercado interno, e exportado com cada vez mais frequência-- custou número incontável de vidas e continuará a fazê-lo a menos que seu uso seja proibido em todo o Brasil. A ideia de que é possível usar o material de forma segura, alega, "é ficção".
Giannasi, 52, conta com muitos admiradores na comunidade mundial da saúde pública. Um médico a define como "a Erin Brockovich brasileira", em referência à ativista californiana que trabalhava em um escritório de advocacia e denunciou um caso de poluição de água pela Pacific Gas & Electric, episódio que inspirou um filme. Mas as pessoas que Giannasi verdadeiramente representa vivem em lugares como Osasco (Grande São Paulo), que abrigou por 54 anos a mais notória fábrica de cimento feito de amianto do Brasil.
A fábrica, controlada pela empresa Eternit, foi inaugurada em 1939 e, pela maior parte da sua existência, vivia repleta de fibras de amiantos, dizem antigos operários. Eliezer João de Souza, 68, trabalhou lá de 1968 a 1981 como cortador de folhas de amianto e telhas corrugadas, em diversos tamanhos. "A poeira estava em toda parte", diz Souza. "Era visível à luz do sol". Os operários não tinham proteção respiratória até 1977, quando receberam máscaras baratas de papel, diz Souza, que em 2000 teve pequenos tumores removidos de sua pleura, a membrana fina que recobre os pulmões e reveste a cavidade peitoral. Em dado momento, "eles convocaram os operários e tiraram radiografias de todos, mas nunca nos mostraram os resultados", acrescenta. "Foi sempre um jogo de mentiras".
João Batista Momi, 81, trabalhou na fábrica por 32 anos --"era suja o tempo todo", diz--, e sofre de asbestose. Processou o antigo empregador em 1998 e venceu mas, devido a um recurso da empresa que continua à espera de julgamento no Supremo Tribunal Federal, ainda não recebeu qualquer indenização. José Antonio Domingues, 71, teve seu pulmão direito removido devido a um câncer em 2008, 17 anos depois que se demitiu da fábrica na qual havia trabalhado por 15 anos. "O pulmão estava todo preto por dentro", diz. "Estou feliz por ainda estar vivo".
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GRANDE EXPORTADOR
Os três homens pertencem à Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto), um dos 70 grupos de vítimas formados em todo o mundo, em geral nas duas últimas décadas, à medida que o uso da fibra de amianto se expandiu aos países de rápido crescimento e seus perigos se tornaram mais conhecidos. No passado extensamente usado nos Estados Unidos e Europa, como material de construção e isolamento, o amianto agora está proibido na União Europeia e tem emprego limitado a apenas alguns produtos, como revestimentos de freios automobilísticos, nos Estados Unidos. Cinquenta e dois países proibiram ou restringiram severamente o uso desse mineral fibroso, por muito tempo apreciado devido à sua resistência ao calor e fogo.
Fomentado por uma agressiva campanha setorial, no entanto, o uso da fibra de amianto cresceu de maneira considerável nos países em desenvolvimento, especialmente na China, Índia e Brasil. Com a vida nova que o produto ganhou em mercados emergentes, o número total de mortes causadas pelo amianto pode atingir os 10 milhões de vítimas até 2030, dizem especialistas.
Grande número dessas mortes acontecerá no Brasil, hoje o terceiro maior produtor mundial de amianto. O Brasil é também o terceiro maior exportador mundial do mineral, e vende o produto principalmente na Ásia e a países como Colômbia e México. E se tornou o quinto maior usuário mundial de amianto, consumindo 94 mil toneladas em 2007, mais de 50 vezes o volume do material usado nos Estados Unidos naquele ano.
O setor brasileiro de amianto alega gerar R$ 2,5 bilhões para a economia do país a cada ano. As 11 empresas que mineram amianto e fabricam produtos que contém amianto no Brasil tem 3.500 mil empregados diretos mas dizem responder por 200 mil empregos, se considerados os postos de trabalho correlatos criados no setor de construção, vendas e outros.
O cerne do setor é o Instituto Brasileiro do Crisotila. "Crisotila" é o nome do amianto branco, a única forma usada hoje. Dados públicos demonstram que o instituto, sediado em Goiás, recebeu mais de US$ 8 milhões do setor desde 2006, e usou essa verba para promover o uso do amianto em todo o Brasil. Um promotor de Justiça daquele Estado está tentando fechar as portas do instituto, que se descreve como organização de interesse público e opera com isenção de impostos. Em petição judicial, o promotor acusa o instituto de funcionar como uma mal disfarçada ferramenta de vendas para o setor brasileiro de amianto, o qual responde por virtualmente todo o orçamento da organização. Por ter infligido "danos sociais derivados de suas práticas ilegais", o instituto deveria pagar indenização de R$ 1 milhão, bem como uma multa diária de R$ 5.000 caso se mantenha em operação, alega o promotor em sua petição. Em declaração ao ICFJ, um porta-voz do instituto negou as alegações, afirmando que a organização "garante a saúde dos trabalhadores e usuários, a proteção do meio ambiente e [o fornecimento de] informações à sociedade".
"BILL GATES DA SUÍÇA"
Quando a Abrea foi fundada, em 1995, tinha cerca de 470 membros, a maioria dos quais ex-trabalhadores da fábrica da Eternit em Osasco. "Pelo menos 30% deles morreram nos últimos 14 anos", diz Souza, o presidente da organização. Pelo menos 10 dentre eles morreram de mesotelioma, uma forma rara de câncer que frequentemente surge na pleura e está sempre vinculada à exposição a fibra de amianto.
Furiosos quanto ao que acreditam ter sido um sério caso de conduta empresarial indevida, Souza e seus companheiros aposentados vêm acompanhando um julgamento criminal em Turim, Itália, no qual dois antigos acionistas da Eternit suíça --entre os quais Stephan Schmidheiny, ex-presidente do conselho do grupo e filantropo descrito como "o Bill Gates da Suíça" pela revista "Forbes", devido ao bilhão de dólares em doações que fez para ajudar empresários de baixa renda na América Latina-- respondem a acusações de terem causado um desastre ambiental.
As acusações se relacionam às condições em uma fábrica de cimento produzido com amianto na cidade italiana de Casale Monferrato; cerca de 2.000 pessoas que trabalharam na fábrica ou viviam em suas imediações morreram de doenças relacionadas ao amianto.
"Considerando que a exposição perigosa acontecida na Itália foi reproduzida em outros locais, deve haver centenas de milhares de pessoas que morreram por exposição aos produtos de amianto da empresa", diz Laurie Kazan-Allen, coordenadora do International Ban Asbestos Secretariat, em Londres.
Em e-mail, o porta-voz Peter Schürmann escreveu que Schmidheiny "não consegue compreender por que deveria caber a ele, como acusado principal, a responsabilidade por todos os 80 anos de história da Eternit na Itália". O grupo Eternit suíço foi o maior acionista da fábrica italiana apenas em seus 10 anos finais de operação, escreveu Schürmann, e implementou "medidas de segurança no trabalho que atendiam aos mais elevados padrões".
De acordo com Schürmann, o grupo suíço vendeu suas ações na fábrica de Osasco mais de 25 anos atrás. Ele se recusou a comentar sobre as alegações dos ex-trabalhadores, mas acrescentou que "Stephan Schmidheiny trabalhou como trainee na Eternit brasileira, sob as mesmas condições de trabalho que os demais funcionários".
Giannasi não tem muita simpatia para com Schmidheiny, que alega em seu site pessoal ter sido "perigosamente exposto a fibras de amianto durante meu período de treinamento no Brasil". Sua reprovação quanto à maneira pela qual a fábrica de Osasco era dirigida a levou a co-fundar a Abrea. Ela continua a comparecer às reuniões mensais, e mantém os membros doentes da organização e seus familiares a par dos acontecimentos na guerra do amianto. Eles parecem apreciar suas histórias.
Giannasi reteve embarques de amianto em portos e rodovias, e realizou inspeções de surpresa em empresas suspeitas de vender ilegalmente produtos que contêm amianto. Recebeu ameaças de morte e foi processada pela indústria do amianto. Por algum tempo, se viu exilada a um pequeno escritório no Ministério do Trabalho, sem computador, telefone ou funções. Acostumou-se a desafiar seus superiores hierárquicos, que a consideram como provocadora e interessada apenas em manchetes; suas atividades de fiscalização foram restringidas apenas ao Estado de São Paulo, embora seja funcionária federal. "A cada dia há um novo problema", diz Giannasi.
A indústria brasileira do amianto provou ser um oponente ferrenho. A Sama, que opera a mina de Cana Brava, em Goiás, e a Eternit S. A., que opera quatro fábricas que produzem telhas e outros produtos, de amianto ou não, juntas doaram mais de R$ 2 milhões a candidatos a cargos eletivos federais, estaduais e municipais, entre 2002 e 2008, de acordo com os registros públicos. "Eles têm muitos tentáculos, como um polvo", diz Giannasi.
Apenas quatro dos 26 Estados brasileiros, entre os quais São Paulo, adotaram leis que proíbem o uso do amianto. Perguntado sobre a campanha de Giannasi, um dirigente da Sama falou apenas sobre o processo de produção da empresa, afirmando que o nível de fibras de amianto presente na mina é "20 vezes inferior ao que a lei requer" e que "os operários não têm contato físico com o mineral". Uma porta-voz da Eternit S. A., que não tem conexão com a Eternit suíça, se recusou a comentar.
GIANNASI X INDÚSTRIA
Criada durante a ditadura militar de direita brasileira, nos anos 60, Giannasi recorda ouvir os gritos dos acusados de subversão que estavam sendo torturados em um quartel do exército próximo à casa de sua família, na região nordeste do Estado de São Paulo. A repressão que definiu a era e as inclinações progressistas de seus pais, ambos professores do ensino público, conduziram Giannasi ao papel que viria a assumir como defensora dos trabalhadores portadores de doenças relacionadas à fibra de amianto, que ela compara a vítimas de genocídio.
Giannasi fez sua primeira visita à fábrica da Eternit em Osasco em 1986, e considerou que a higiene do local era precária e os registros médicos dos funcionários, inadequados. Por volta de 1991, ela já havia inspecionado centenas de outras fábricas empoeiradas e concluído que o uso controlado do amianto era impossível. Foi transferida de São Paulo a Osasco --"um posto para criadores de casos"--, onde imediatamente criou caso com a Eternit, impedindo a demolição da fábrica da empresa, em 1995, até que houvesse um plano em vigor para a disposição dos resíduos deixados por décadas de trabalho com amianto.
Por volta de 1998, ela se havia tornado uma ativista conhecida em todo o país, e costumava se referir ao setor de amianto como "uma máfia", acusando-o de "chantagear" os trabalhadores doentes ao lhes oferecer quantias modestas em acordos. A Eternit a processou por difamação, mas um juiz encerrou o caso.
Os anos posteriores foram marcados por choques esporádicos com o setor e com seus superiores no ministério, e por decepção com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, antigo dirigente sindical. A produção de amianto caiu no Brasil no começo dos anos 90 e depois voltou a crescer gradualmente até 2002, o ano em que Lula foi eleito. Depois disso, o ritmo de produção se acelerou. Giannasi não hesitou em expressar sua insatisfação, e terminou suspensa de seus deveres de fiscalização por 45 dias. Sua autoridade só foi restaurada depois que ela foi à imprensa, diz. Giannasi parece próxima à exaustão, hoje, dado seu ritmo frenético, insustentável. O objetivo final de seu trabalho --a proibição federal ao uso de amianto-- parece inatingível.
Ainda assim, "a situação seria muito pior se ela não estivesse trabalhando nisso", diz Eduardo Algranti, diretor da divisão de medicina da Fundacentro, uma organização paulista de assistência a trabalhadores doentes. "Ela é muito rígida, muito coerente em suas ações. É absolutamente dedicada".
BOMBA-RELÓGIO
O médico Ubiratan de Paula Santos, especialista em medicina pulmonar na Escola de Medicina da USP, diz que trata de cerca de 20 casos de mesotelioma ao ano, número que vem subindo lentamente. A maioria de seus pacientes, se bem que não todos, são trabalhadores do setor de amianto. Uma mulher desenvolveu um mesotelioma depois de lixar e pintar seu telhado, feito com amianto, a cada Natal, por um período de alguns anos. "Não importa o quanto a exposição seja intensa", diz Paula Santos. "Algumas pessoas sofreram exposição por apenas um mês". Em média, as vítimas sobrevivem por 12 a 16 meses depois do diagnóstico, sofrendo dor extrema e o terrível conhecimento de que sua doença é incurável. "Sabem que estão com o pescoço na guilhotina", diz o médico.
É em nome dessas pessoas que Giannasi persiste. No final do ano passado, ela permitiu que um repórter do ICIJ acompanhasse sua inspeção de surpresa, em companhia do colega Antonio Carlos Rodrigues Pimentel, a duas lojas que supostamente estariam vendendo produtos contendo amianto em São Paulo, em violação das leis estaduais. Na primeira das lojas, na zona norte da cidade, ela e Pimentel foram recebidos por um homem barrigudo, de cara amarrada, que tentou impedir que entrassem. Giannasi exibiu seu distintivo governamental e exigiu que a porta fosse aberta. Assim que entraram, ela e Pimentel rapidamente encontraram gaxetas de amianto no estoque da loja. Inicialmente hostil, o proprietário da loja logo se tornou deferente quando Giannasi ameaçou fechar o estabelecimento a menos que todas as peças contendo o mineral tóxico fossem jogadas no lixo. O proprietário prometeu cumprir a instrução e ordenou aos seus funcionários que começassem a recolher os itens proibidos. "Todos seguem o mesmo roteiro, dizendo que não usam amianto, que jogaram o estoque fora", diz Giannasi. "Mas sempre encontramos alguma coisa".
Quatro dias antes, Giannasi e Pimentel, em companhia de Kazan-Allen, a ativista que combate o uso das fibras de amianto, haviam viajado extraoficialmente a Poços de Caldas (MG). A Alcoa, gigante norte-americana do alumínio que opera uma usina lá desde 1970, havia acabado de se tornar alvo do primeiro processo judicial por mesotelioma no Brasil, aberto por um antigo funcionário de 58 anos de idade. O caso causou certo escândalo na cidade, que depende fortemente da companhia, mas Giannasi o viu como oportunidade de levar sua mensagem a uma nova audiência em Minas Gerais, Estado no qual está proibida de exercer atividades como fiscal.
Depois de contatar a mídia local, ela foi à prefeitura e fez sua apresentação usual, com fervor evangélico, exibindo imagens de vítimas de câncer moribundas, distribuindo panfletos sobre os perigos do amianto e conduzindo uma entrevista coletiva improvisada, na saída. Kazan-Allen foi ao microfone e alertou que "o Brasil está no início de uma curva muito grande. Uma bomba-relógio cancerígena está a ponto de detonar".
Na mesma noite, Giannasi visitou Dante Untura, o antigo funcionário da Alcoa, na casa dele.
Untura foi membro da equipe de manutenção da fábrica, que produz pó e lingotes de alumínio, e outros itens, de 1970 a 1987. Cortava e perfurava placas de Marinite, um produto de isolamento feito de amianto fabricado nos Estados Unidos pela Johns Manville. "Não usávamos máscaras", diz Untura. Ele recebeu um diagnóstico de mesotelioma em agosto de 2009; depois disso, diz, "tudo mudou. Perdi a vida de vista. Não há mais cores. Tudo é cinzento".
Naquela noite quente da metade de novembro, Untura não parecia especialmente doente e nem estar sofrendo dores. Sua mulher e sua filha adotiva serviram café e um bolo, e se esforçavam ao máximo para fingir que nada havia de errado. Untura só demonstrou emoção ao discutir sua família; foi por eles, afirmou, que processou a Alcoa no Brasil, e planejava fazer o mesmo em um tribunal norte-americano.
O processo norte-americano foi aberto em 20 de janeiro. Untura morreu 17 dias mais tarde. A Alcoa se recusou a comentar o caso.
Esta história é parte de uma investigação conjunta conduzida pelo International Consortium of Investigative Journalists e pela BBC News. Colaborou MARCELO SOARES, em São Paulo.
TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI
http://www1.folha.uol.com.br/bbc/770103-amianto-pode-matar-mais-de-1-milhao-ate-2030.shtml
21/07/2010 - 08h04
Amianto pode matar mais de 1 milhão até 2030
Especialistas em saúde alertam para um grande aumento no número de mortes nas próximas duas décadas devido ao uso do amianto pela indústria da construção civil, sobretudo nos países em desenvolvimento.
Uma investigação conjunta da BBC e do Consórcio de Jornalistas Investigativos revelou que mais de 1 milhão de pessoas podem morrer até 2030 devido a doenças ligadas à substância.
Com um consumo de amianto 50 vezes maior do que nos Estados Unidos, o Brasil é o quinto maior consumidor do produto em uma lista liderada por China, Índia e Rússia.
O amianto é uma fibra natural presente em minas. A substância, que é barata e resistente ao calor e ao fogo, é misturada ao cimento para construção de telhas e pisos.
No entanto, o amianto, que é proibido ou de uso restrito em 52 países, solta fragmentos microscópicos no ar que podem provocar diversas doenças pulmonares quando inaladas, inclusive alguns tipos de câncer.
AMIANTO BRANCO
A investigação conjunta do Consórcio de Jornalistas Investigativos e da BBC revelou que a produção de amianto continua na ordem dos dois milhões de toneladas.
A indústria do amianto ainda movimenta bilhões de dólares, sobretudo com exportações para países em desenvolvimento, onde as leis de proteção e a fiscalização são mais brandas.
Apesar da proibição e restrição ao uso, uma variação da substância conhecida como amianto branco é produzida e exportada para diversos países.
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), mesmo o amianto branco pode provocar câncer.
Alguns cientistas temem que a disseminação do amianto branco possa prolongar uma epidemia de doenças relacionadas à substância.
"Minha visão pessoal é de que os riscos são extremamente altos. Eles são tão altos quanto qualquer outra substância cancerígena que vimos, com exceção, talvez, do cigarro", afirma Vincent Cogliano, cientista da Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer da OMS.
Segundo a OMS, 125 milhões de pessoas convivem com amianto no trabalho. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 100 mil trabalhadores morram por ano devido a doenças relacionadas ao amianto.
Nos Estados Unidos, a indústria da construção civil não usa mais nenhum tipo de amianto. No entanto, o número de mortes devido à substância está chegando ao ápice, devido ao longo período em que a doença ainda pode se manifestar.
No México, mais de 2 mil empresas usam o amianto em diversos produtos, como freios, aquecedores, tetos, canos e cabos. Mais de 8 mil trabalhadores têm contato direto com a substância.
DOENÇA
O Canadá é um dos maiores produtores mundiais de amianto branco e exporta o produto, mas proíbe seu uso no país.
Na província de Quebec, Bernard Coulombe, que é proprietário de uma mina, afirma que o amianto branco exportado por ele é vendido "exclusivamente para consumidores finais que possuem os mesmos padrões de higiene industrial do Canadá". Ele afirma que sua indústria possui amparo legal para exportar o produto.
Não muito longe dali, a pintora amadora Janice Tomkins luta contra mesothelioma, uma doença rara ligada ao amianto. Ela acredita ter contraído a doença há vários anos devido à exposição ao amianto azul e marrom, variações hoje proibidas internacionalmente.
Ela luta para impedir que o governo do Quebec libere um financiamento de US$ 56 milhões para que a mina próxima a sua casa possa expandir a produção, de olho em mercados emergentes como a Índia.