A Homofobia da ANVISA
Artigo publicado na Editoria de Opinião do Jornal O GLOBO de 19 de janeiro de 2008.
Jaques Jesus é mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília e presidente da ONG Ações Cidadãs em Orientação Sexual (ACOS).
Jaques Jesus é mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília e presidente da ONG Ações Cidadãs em Orientação Sexual (ACOS).
A homofobia da Anvisa
JAQUES JESUS
Recente determinação do governo canadense, proibindo a doação de órgãos de
homens que tenham mantido relações homossexuais nos últimos cinco anos,
indignou defensores dos direitos humanos em todo o mundo.
Ela é fruto da homofobia - medo ou ódio a homossexuais - infiltrada no
Estado, levando a decisões discriminatórias que vinculam a orientação sexual
das pessoas homossexuais a riscos de saúde, crença não apenas antiética, mas
igualmente sem embasamento científico, visto que, segundo a Organização
Mundial da Saúde, não existem grupos de risco, mas condutas de risco, as
quais não dependem da orientação sexual.
Lamentavelmente, apesar de algumas reações no Brasil ante essa agressão, o
governo brasileiro mantém conduta semelhante à do Canadá, reverberando os
ecos nefastos da criminalização dos homossexuais praticada durante a
inquisição e abolida em 1823 neste país. Quem defende imperativo tão
desumano ("não doe sangue"), acredite, é a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa).
Contrariamente aos apelos eventuais a favor de justa e necessária doação de
sangue, definida como um "ato de cidadania", não se permite que parcela
expressiva de cidadãos saudáveis doe. Por meio da Resolução da Diretoria
Colegiada 153, de 14 de junho de 2004, a Anvisa proíbe que bancos de sangue
públicos ou privados aceitem doação de sangue de homens homossexuais, com
base na ideologia anacrônica de que eles constituem um grupo de risco,
justificativa essa condenável, que desqualifica a importância do sexo seguro
em qualquer prática sexual, além de desconsiderar que, hoje, o perfil
epidemiológico de infectados pelo vírus HIV no Brasil é cada vez mais
constituído por heterossexuais e mulheres, sendo que em unidades da
Federação, como o Distrito Federal, há mais heterossexuais infectados (57%
dos portadores) do que homossexuais (19,4%), segundo dados da Secretaria de
Saúde distrital.
Essa resolução afronta a Constituição federal e todas as leis que punem a
homofobia. É também lastimável constatar sua inocuidade enquanto estratégia
epidemiológica, em conformidade com políticas de cunho religioso que
permitem doações de homens homossexuais abstêmios, mas não de monógamos, ao
mesmo tempo em que é sabotada a idéia da doação de sangue como ato de
cidadania, pois uma parcela expressiva de nossa população é submetida a
humilhações, impedida de ajudar outras pessoas e vitimada pelo estímulo à
percepção preconceituosa de que os gays são transmissores de doenças, tal
qual faziam os nazistas com os judeus.
O fato de a inabilitação ser de um ano, para candidatos que mantiveram
relações sexuais nos 12 meses precedentes à doação, aumenta o repúdio a essa
visão homofóbica da Anvisa, dado que a mesma regra não é válida para homens
heterossexuais. Os perversos itens da resolução 153/2004 referentes à
exclusão de homossexuais têm de ser revogados. Enquanto isso, cidadãos de
todo o mundo poderão dizer que, na prática, o Estado brasileiro se irmana
com violações aos direitos humanos.
JAQUES JESUS
Recente determinação do governo canadense, proibindo a doação de órgãos de
homens que tenham mantido relações homossexuais nos últimos cinco anos,
indignou defensores dos direitos humanos em todo o mundo.
Ela é fruto da homofobia - medo ou ódio a homossexuais - infiltrada no
Estado, levando a decisões discriminatórias que vinculam a orientação sexual
das pessoas homossexuais a riscos de saúde, crença não apenas antiética, mas
igualmente sem embasamento científico, visto que, segundo a Organização
Mundial da Saúde, não existem grupos de risco, mas condutas de risco, as
quais não dependem da orientação sexual.
Lamentavelmente, apesar de algumas reações no Brasil ante essa agressão, o
governo brasileiro mantém conduta semelhante à do Canadá, reverberando os
ecos nefastos da criminalização dos homossexuais praticada durante a
inquisição e abolida em 1823 neste país. Quem defende imperativo tão
desumano ("não doe sangue"), acredite, é a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa).
Contrariamente aos apelos eventuais a favor de justa e necessária doação de
sangue, definida como um "ato de cidadania", não se permite que parcela
expressiva de cidadãos saudáveis doe. Por meio da Resolução da Diretoria
Colegiada 153, de 14 de junho de 2004, a Anvisa proíbe que bancos de sangue
públicos ou privados aceitem doação de sangue de homens homossexuais, com
base na ideologia anacrônica de que eles constituem um grupo de risco,
justificativa essa condenável, que desqualifica a importância do sexo seguro
em qualquer prática sexual, além de desconsiderar que, hoje, o perfil
epidemiológico de infectados pelo vírus HIV no Brasil é cada vez mais
constituído por heterossexuais e mulheres, sendo que em unidades da
Federação, como o Distrito Federal, há mais heterossexuais infectados (57%
dos portadores) do que homossexuais (19,4%), segundo dados da Secretaria de
Saúde distrital.
Essa resolução afronta a Constituição federal e todas as leis que punem a
homofobia. É também lastimável constatar sua inocuidade enquanto estratégia
epidemiológica, em conformidade com políticas de cunho religioso que
permitem doações de homens homossexuais abstêmios, mas não de monógamos, ao
mesmo tempo em que é sabotada a idéia da doação de sangue como ato de
cidadania, pois uma parcela expressiva de nossa população é submetida a
humilhações, impedida de ajudar outras pessoas e vitimada pelo estímulo à
percepção preconceituosa de que os gays são transmissores de doenças, tal
qual faziam os nazistas com os judeus.
O fato de a inabilitação ser de um ano, para candidatos que mantiveram
relações sexuais nos 12 meses precedentes à doação, aumenta o repúdio a essa
visão homofóbica da Anvisa, dado que a mesma regra não é válida para homens
heterossexuais. Os perversos itens da resolução 153/2004 referentes à
exclusão de homossexuais têm de ser revogados. Enquanto isso, cidadãos de
todo o mundo poderão dizer que, na prática, o Estado brasileiro se irmana
com violações aos direitos humanos.
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